Resposta: Modernidade e esfera pública

"Amigo, você considera que o paradigma da modernidade ainda consegue dar respostas satisfatórias às esferas políticas e jurídicas? Ou, com a revolução científica iniciada por Einstein, o paradigma jurídico da modernidade também passará a buscar alternativas na pós-modernidade? O procedimentalismo de Habermas é uma teoria desenvolvida nos marcos teóricos da modernidade, não é?"

Bem, Habermas define sua posição teórica, separando-se dos demais integrantes da Escola de Frankfurt, exatamente pela definição que dá da Modernidade e pela sua nova interpretação da racionalidade. Então, vamos tocar nesses pontos.

A Modernidade havia sido definida por Weber como racionalização. Acontece que Weber tinha em mente um conceito teleológico de racionalidade, de modo que concebeu a racionalização das sociedades modernas como uma especialização de cada um dos seus âmbitos funcionais (Política, Economia, Moral, Direito, Arte, Religião, Técnica e Ciência) para uma finalidade singular que definia cada qual. Essa caracterização foi lida pelo marxismo ocidental (especialmente por Lukacs) como uma coisificação da vida social, em que tudo passava a ter valor apenas como meio para alcançar alguma outra coisa, esquecendo-se dos verdadeiros valores e da verdadeira identidade humana. Essa concepção weberiana, relida pelos olhos de Lukacs, influenciou a Escola de Frankfurt, de modo que Horkheimer e Adorno, para designar o tipo de racionalidade que a Modernidade realizava, criaram o conceito de "razão instrumental".

Os teóricos de Frankfurt passaram, então, a identificar a razão com a razão instrumental e não demoraram a atribuir à racionalização a culpa por todos os males da Modernidade. O texto que funciona como manifesto inaugural dessa tendência é "O conceito de iluminismo", escrito em colaboração entre Horkheimer e Adorno. A tese do texto é a seguinte: o iluminismo prometeu que a razão nos libertaria dos mitos, mas só conseguiu nos tornar prisioneiros do mito da razão. Os frankfurtianos interpretaram os sistemas totalitários de direita e de esquerda, não como desvios da Modernidade, mas como sua máxima realização. Uma sociedade em que inclusive as pessoas são vistas como meios para alcançar fins maiores era, com efeito, a expressão mais completa da racionalidade instrumental.

O interessante na proposição frankfurtiana era que essa tendência de progressiva e esmagadora racionalização instrumental não tinha uma saída viável. No fim de suas carreiras, quando Horkheimer e Adorno estavam mais preocupados em apontar os caminhos alternativos à Modernidade, o refúgio de Horkheimer foi a Teologia e o de Adorno foi a Arte. Horkheimer insistia que, sem Deus, nenhuma tábua de valores era possível e que o ateísmo prático que domina a mentalidade ocidental era o que deixava espaço para a racionalidade instrumental, ou melhor, era o que a tornava inevitável e irresistível. Adorno via na produção artística um campo em que as coisas são feitas por si mesmas, em nome de seu próprio valor, e não como meios para alguma outra coisa. A contemplação artística era o contraponto da produção econômica, quer dizer, era o culto do inútil, porém valioso.

Habermas, que tinha sido assistente de Adorno na juventude, não estava satisfeito com essas soluções, que ele interpretava como alternativas pré-modernas para enfrentar o problema da Modernidade. O que lhe permitiu sair dessa encruzilhada foi a releitura do conceito de razão. Depois da guinada lingüística, era possível definir como racional toda manifestação ou ação que pudesse, diante de um crítico, ser defendida com razões. Ora, se um homem faz uma coisa e a justifica o que faz como sendo um meio para alcançar um fim, pode-se dizer que sua ação é racional. Significa que o modelo discursivo de razão é capaz de abarcar a razão instrumental. Mas essa está longe de ser a única justificação possível. Ele poderia justificar o que fez a partir de uma regra que seguiu, de uma escolha valorativa, de uma convicção pessoal e tudo isso também faria da sua ação uma ação racional, quer dizer, uma ação defensável por razões.

Isso quer dizer que há várias dimensões da racionalidade, das quais a razão instrumental é apenas uma delas. Isso quer dizer também que, se os grandes problemas da Modernidade se deviam à racionalidade instrumental, não se podia identificar sem mais esses problemas com a racionalidade em geral, mas apenas com uma de suas dimensões. Habermas passou, então, a reelaborar a crítica frankfurtiana da Modernidade, identificando o problema não tanto na racionalização em si mesma, mas em certo modelo de racionalização que privilegia exclusivamente a razão instrumental. A patologia da modernidade não era que a racionalidade já trazia na sua própria estrutura o germe da dominação totalitária, mas sim que as dimensões não instrumentais da vida social haviam sido vítimas de uma "colonização" indevida pela razão instrumental.

Habermas concebe, então, uma distinção entre dimensões instrumentais e não instrumentais da vida social. Identifica as dimensões instrumentais com a Economia e o Estado, para os quais os imperativos de eficácia são tudo que importa. Como essas dimensões funcionam segundo uma lógica própria, cega para quaisquer outras considerações que não seus próprios fins, Habermas as designa, com a terminologia parsonsiana, de "sistemas": sistema econômico e sistema político. Ao conjunto de todas as outras esferas da vida social, que se estruturam comunicativamente, levam em conta regras e valores e se relacionam umas com as outras numa grande unidade cultural, Habermas chama, com a terminologia husserliana, de "mundo da vida" (Lebenswelt). Designa o avanço e a invasão da lógica instrumental sobre os aspectos não instrumentais de "colonização do mundo da vida pelos sistemas" (Kolonizierung) e a possível reação do mundo da vida, retomando e assumindo os espaços que lhe são próprios, de "emancipação do mundo da vida" (Emanzipation).

Mas como seria possível essa "emancipação"? Habermas entende que pela democracia e pelo Direito. E é aí que a minha explicação se encontra, enfim, com a sua questão. Habermas entende que a democracia coloca em movimento a dinâmica comunicativa que dá autonomia ao mundo da vida, enquanto o Direito consegue pôr freios ao avanço dos sistemas sempre que o mundo da vida identifica, pela discussão democrática, a necessidade de impor limites à lógica da eficácia. Habermas acredita que o caminho para reversão da patologia da Modernidade não está no abandono da racionalidade, mas na sua ampliação. A Modernidade sufocou as outras dimensões da racionalidade que não a instrumental; a democracia e o Direito têm condições de reetabelecer a voz e o lugar dessas outras dimensões racionais.

Agora, minha resposta. Se a Modernidade for interpretada, na linha webero-lukacsiana, como racionalização instrumental de todos os aspectos da vida, então, sim, precisamos de uma alternativa pós-moderna. Mas, se dermos à racionalidade uma versão discursiva capaz de descortinar os outros âmbitos da racionalidade que foram sufocados pela razão instrumental, então podemos pensar não em termos de pós-modernidade, e sim de uma nova modernidade, em que o mundo da vida vire o jogo contra os sistemas. Acho essa a alternativa mais razoável, porque do contrário a pós-modernidade será alguma forma cética ou cínica de irracionalidade que dificilmente conseguirá provar que não traz mais problemas que soluções. Espero que tenha respondido alguma coisa.

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