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Mostrando postagens de março, 2009

Início da vida: uma questão biológica?

Dedicado a Diego e Clayton Costuma-se dizer que a decisão (legislativa e judicial) relativa à disciplina do abortamento e das experiências com células-tronco embrionárias, para citar apenas dois temas bioéticos contemporâneos, depende da exata determinação de quando começa a vida humana e que esta, completam, é uma questão para a qual a biologia, em comparação com a política e com o direito, está em melhores condições de fornecer uma resposta bem informada. Pois bem, gostaria de defender o ponto de vista de que nenhuma dessas duas afirmações é verdadeira, pois tais decisões poderiam muito bem ser independentes da determinação do início da vida humana e, mesmo que dependessem de tal determinação, poderiam muito bem ser independentes da palavra da biologia. Por fim, argumentarei que, por trás do argumento biológico, se esconde na verdade um argumento religioso cristão, sem o qual a primazia do biológico dificilmente poderia ser justificada. Então vamos a cada um dos argumentos: 1. A idéi

Judicialização da Política

Postagem dedicada a Diego e Clayton Nossa possibibilidade de caracterizar o fenômeno da judicialização da política, ou seja, aquele fenômeno pelo qual questões políticas passam a ser decididas por autoridades jurídicas, nas arenas jurídicas e a partir de argumentos jurídicos, depende diretamente de nossa capacidade de distinguir analiticamente entre questões políticas e questões jurídicas. É assim porque a hipótese de uma judicialização da política pressupõe que não existe, em princípio, entre o conjunto das questões indiscutivelmente jurídicas e o conjunto das questões indiscutivelmente políticas, uma sobreposição e intercessão tais que tornem a judicialização da política um fenômeno banal e cientificamente desinteressante. Por isso mesmo, um primeiro desafio, obrigatório e incontornável para qualquer investigador que se dedique ao estudo e à discussão do fenômeno da judicialização da política, é impôr um marco analítico claro entre questões políticas e questões jurídicas, o que não é

Análise Argumentativa (1)

Eis o primeiro trecho que submeterei a uma análise argumentativa: Graças ao pensamento inovador de Lotze, Brentano e Nietzsche, na segunda metade do Séc. XIX, foi possível compreender que o bem e o mal não se encontram confinados nos objetos ou ações exteriores à nossa personalidade, mas resultam sempre de uma avaliação, isto é, da estima ou preferência que os bens da vida têm na consciência de cada indivíduo. Tal não significa, porém, operar nessa matéria uma revolução de 180º, ou seja, transferir o mundo dos valores, inteiramente, da realidade objetiva para a consciência subjetiva. O que a axiologia revelou foi uma inter-relação sujeito-objeto, no sentido de que cada um de nós aprecia algo, porque o objeto dessa apreciação tem objetivamente um valor. Em contraposição, se o homem não cria valores do nada, não é menos verdade que a avaliação individual dos bens da vida varia enormemente. Ora, isso exige, como condição da convivência humana harmoniosa, o consenso social sobre a força ét

Análises Argumentativas

Aproveitando o ensejo de que estou ministrando, aos sábados, no CESUPA, de 8:30h às 12:30h, um Grupo de Estudos Temáticos sobre Teorias da Argumentação Jurídica, estarei publicando nos próximos meses algumas postagens com análises argumentativas, ou seja, mostrando trechos de textos, geralmente de autores e obras famosas no mundo jurídico nacional ou internacional, e mostrando a estratégia argumentativa que o autor usou, revelando o esqueleto dialético do argumento utilizado. Espero que os leitores habituais do blog apreciem essa iniciativa.

Silogismo (3): Judicial

Chama-se silogismo judicial todo argumento na forma: Se alguém mata, deve ser preso Pedro matou Logo, Pedro deve ser preso Neste silogismo, a premissa maior é formada de uma condição descritiva (ou seja, que prevê a chance de que certo fato aconteça ) e uma consequência normativa (ou seja, que prescreve a obrigatoriedade de que, em vista da ocorrência do primeiro fato, certo outro fato deva acontecer ). Tal premissa maior representa a norma jurídica, com sua estrutura tradicional: condição de fato e consequência jurídica. A premissa menor contém um enunciado descritivo, que afirma que a condição de fato se verificou. A conclusão, por sua vez, afirma que, em vista do fato de que a ocorrência enunciada na premissa menor se ajusta à condição prevista na premissa maior, então a consequência prescrita pela premissa maior deve ser realizada. A forma geral do silogismo judicial é, portanto: Se A é, então B deve ser Ora, A é Logo, B deve ser

Silogismo (2): Hipotético

Chama-se silogismo hipotético a argumentos na forma: (I) Se Pedro atender ao telefone, é porque está em casa. Ora, Pedro atendeu ao telefone. Logo, Pedro estava em casa. Ou: (II) Se Pedro estivesse em casa, atenderia ao telefone. Pedro não atendeu ao telefone. Logo, Pedro não estava em casa. Como se vê, o silogismo hipotético tem mais ou menos a mesma forma do silogismo comum, com a diferença de que sua premissa maior é um enunciado hipotético, ou seja, é um enunciado do tipo "Se..., então...", com condição e consequência. A forma (I) recebe o nome latino "modus ponens" ("inferência pela afirmação") e consiste em inferir da verdade da condição a verdade da consequência. Isso é possível asumindo a verdade da premissa maior condicional, que fixou que, se tal condição se verifica, então tal consequência também se verifica, de modo que, aceitando isso como verdadeiro e sabendo que a condição se verificou, não se tem outra alternativa que não inferir que a cons

Silogismo (1): Geral

Silogismo é um argumento na forma: Todos os homens são mortais; Sócrates é homem; Logo, Sócrates é mortal. São traços definidores do silogismo: 1 - É um argumento formado de três enunciados: duas premissas e uma conclusão. 2 - É um argumento formado por três termos (no exemplo, "homem", "mortal" e "Sócrates"), cada um dos quais aparece em dois do três enunciados. 3 - Os termos que são sujeito e predicado da conclusão (no exemplo, respectivamente, "Sócrates" e "mortal") são chamados de termo menor e termo maior do silogismo. 4 - As premissas em que aparecem novamente o termo menor e o termo maior são chamadas de premissa menor e premissa maior do silogismo. 5 - O termo que aparece nas duas premissas, mas está ausente da conclusão, se chama termo médio do silogismo (no exemplo, "homem"): "médio" porque maior que o menor ("Sócrates"), mas menor que o maior ("mortal"), e "médio" porque media

Fundamentação e justificação

Está mais do que na hora de nós juristas deixarmos de usar o termo "fundamentação" para o que os requerentes precisam depor a seus pedidos e os juízes, a suas decisões. Em ambos os casos, o termo mais apropriado seria "justificação". A diferença entre um e outro é correlata da diferença entre demonstração e argumentação: numa demonstração, produz-se uma prova definitiva e exaustiva de que certa coisa é ou não é de certo modo, não deixando espaço para qualquer possibilidade de que seja de outra maneira (como quando alguém mostra por que o teorema de Pitágoras é verdadeiro para todos os triângulos retângulos); já na argumentação, está pressuposta, desde o princípio, a impossibilidade de uma demonstração, de uma prova definitiva e exaustiva seja para um lado, seja para o outro, de modo que o que resta é aduzir as boas razões que existem em favor de cada uma das alternativas, esperando que, no fim desse arrolamento de razões, se tenha perspectiva de qual das opções é ma