Anarquismo

introdução

Todas as ideologias políticas procuram responder à questão "Qual o modelo ideal de Estado?", mas apenas uma delas põe em questão a própria pergunta, perguntando-se antes por que precisaria existir algum Estado afinal de contas. Essa ideologia política é o anarquismo, a corrente de pensamento que nega a necessidade do Estado como entidade de organização central e coerciva da sociedade e que acredita que sua substituição por uma organização social livre e espontânea seria o caminho para solucionar os problemas políticos que assolam a humanidade e para construir uma sociedade justa de homens livres.

As outras ideologias políticas, que acreditam que o Estado é uma entidade indispensável para a ordem e a segurança social, tendem a ver o anarquismo não só como uma proposta utópica, mas também como um programa perigoso e destrutivo. Por isso fazem uma caracterização da anarquia como ausência de ordem, de organização, de racionalidade, o que está bem longe de ser a proposta dos anarquistas. Essa imagem depreciativa, que gera o sentido cotidiano do termo "anarquia", é na verdade fruto de uma forte campanha ideológica antianarquista, que se mistura à ideologia antitrabalhista e anti-sindical da década de 1920.

O termo "anarquismo" significa a defesa ou promoção da "anarquia". "Anarquia", por sua vez, tem origem na expressão grega "a(n)", com sentido de negação, "arkhéia", com sentido de poder político, governo ou Estado. Seu nome significa, portanto, uma ausência, negação ou eliminação do Estado. Assim, no seu sentido mínimo, é anarquista toda ideologia política que inclua, como proposta central ou secundária, a substituição do Estado por uma organização social livre e espontânea. Mas essa classificação, como veremos, não é tão simples quanto parece à primeira vista, pois depende do que conta como "Estado" e do que conta como "organização social livre e espontânea".

Seria a democracia uma anarquia?

O anarquismo se apresenta como uma ideologia libertária, quer dizer, como um ideologia em favor da liberdade individual e contra toda forma de opressão e coerção. Sendo assim, é normal que a concepção anarquista do Estado o identifique como o órgão repressor e coercivo por excelência, a própria encarnação da não liberdade. Tal imagem serve muito bem para os Estados autoritários, que se baseiam na força policial, que impõem um regime de medo ao povo, que tomam decisões em gabinetes fechados e sem nenhuma consulta às pessoas. Mas quando o Estado em questão é uma democracia, pode haver divergência sobre se essa caracterização ainda lhe serve ou não.

Muitos teóricos da democracia a conceberam como aquela forma de governo em que as pessoas não são governadas por ninguém mais além delas mesmas, sendo, portanto, livres. Para eles, se a democracia lança mão de normas e medidas coercivas, não o faz por imposição unilateral do governo em exercício, mas como resultado da deliberação pública e, portanto, se trata de coerção consentida, voluntária, livre. Ora, se aceitássemos essa caracterização da democracia, poderíamos, então, dizer que o ideal anarquista de livrar-se do Estado repressor e coercivo seria plenamente realizado numa democracia radical. E, para dizer a verdade, essa foi a conclusão de muitos pensadores democratas.

Contudo, a identificação da anarquia com a democracia radical é precipitada. Alguém que acredita que um povo é livre quando governa a si mesmo e que apóia a existência do Estado e do Direito desde que ambos sejam instrumentos de realização da vontade do povo é um democrata, mas não é um anarquista. Tal pessoa não vê o Estado e o Direito em si como males, mas sim como males apenas na medida em que sejam autoritários e não democráticos. Democraticamente produzidos e conduzidos, não seriam mais males, e sim bens. Além disso, essa pessoa não tem problemas para aceitar a coerção, desde que seja uma coerção deliberada e consentida.

O anarquista vai muito além disso. Para ele é indiferente que o Estado e o Direito sejam autoritários ou democráticos, representativos da vontade de uma pessoa, de um grupo ou de todos: Estado e Direito são sempre maus, não importa como são controlados nem quem os controla. Para ele é indiferente que a coerção seja imposta ou consentida: a coerção é sempre má, não importa quem a impõe, nem como, nem por quê. Você está diante de um verdadeiro anarquista apenas se ele defende, por princípio, que toda forma de Estado, de Direito e de coerção é má e ilegítima e deve ser eliminada. O anarquista não acredita no Estado democrático, porque acredita que onde há Estado não há democracia, onde há Estado só existem a ameaça e o medo.

Qual o problema com a coerção?

A oposição de princípio do anarquismo contra toda forma de coerção se justifica pela crença de que todo indivíduo deve ser plenamente livre em face dos demais indivíduos. Assim, a noção de liberdade desempenha um papel central na ideologia anarquista, motivo por que ela costuma também ser chamada de libertária. Por "liberdade" o anarquista entende aquela condição de poder fazer tudo que se entende poder fazer. Esse é um ponto importante, motivo por que dedicaremos a ele um pouco mais de tempo.

A noção de "liberdade" do anarquismo é ao mesmo tempo negativa e racional. Negativa porque essa liberdade é entendida como negação de todo impedimento, de toda interferência, de todo obstáculo ao exercício da própria vontade. Racional porque tal liberdade não permite que se faça tudo, mas sim que se faça tudo que a razão não desaconselha ou proíbe. Por exemplo, não se é livre para passar por cima de todos os demais indivíduos em busca de um objetivo. Isso pois, segundo o anarquista, usando a razão, o indivíduo é capaz de perceber que, sendo igual aos outros, deve a eles o mesmo respeito que quer para si.

Isso o liberalismo também pensa. A diferença nesse ponto entre um anarquista e um liberal é que o liberal acredita que, se o indivíduo não for impedido por uma instância superior de violar os direitos e a liberdade de seu vizinho, então provavelmente os violará, porque o senso racional não conseguirá sozinho refrear sua ganância e seu egoísmo. O anarquista discorda disso em dois pontos. Primeiro porque não tem essa imagem pessimista do homem, impotente perante seus impulsos egoístas. Pelo contrário, tem a imagem otimista do ser humano naturalmente bom, sociável e racional, inclinado a respeitar os direitos e a liberdade dos demais. Segundo porque não pode aceitar que o indivíduo seja forçado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, pois isso negaria sua liberdade e, por conseguinte, sua própria condição de ser humano. Seres humanos são seres racionais, capazes de conviver pacificamente uns com os outros sem que lhe sejam postas cadeias nem batidos chicotes. Na hora em que um ser humano fosse obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, estaria sendo tratado como um ser irracional e, portanto, como um ser não humano. Além disso, se todos são iguais, o que poderia dar a um indivíduo o direito de dizer ou impor ao outro o que ele tem ou não tem que fazer?

Qual o problema com a hierarquia?

A maioria das correntes do anarquismo compartilha uma forte rejeição contra todo tipo de organização hierárquica. Essa oposição de princípio à hierarquia está diretamente relacionada ao fato de que o anarquismo, além de ser uma ideologia política fortemente libertária, alimenta também um forte ideal igualitário que recusa distinções artificiais que atribuam mais poder a um homem do que a outro. Por isso o anarquismo se posiciona em contrário não apenas à hierarquia política (a hierarquia entre Estado e indivíduo, autoridade e cidadão, soberano e súdito, governante e governado), mas também às hierarquias de tipo econômico e ideológico.

No aspecto econômico, isso significa a recusa da hierarquia entre empregador e empregado, entre contratador e contratado, entre aquele que comanda o processo produtivo e aquele que, obedecendo às ordens do primeiro, executa esse processo. As correntes do anarquismo que não sugerem a substituição do atual regime de produção industrial de larga escala por uma forma mais primitiva e modesta de sociedade, em que cada indivíduo ou família produza para si apenas aquilo de que precisa para viver, defendem uma organização econômica em que todos estejam pelo menos em situação de igualdade. Os indivíduos seriam ao mesmo tempo os comandantes e os executores do processo industrial, sendo as decisões concernentes à gestão da atividade produtiva tomadas sempre por todos, por consenso. Esse modelo costuma ser chamado de "autogestão" e foi um ideal influente no anarco-sindicalismo e no anarcocomunismo. (Há, contudo, correntes anarquistas, como o anarcocapitalismo, que gostariam de manter a organização do processo produtivo como é agora e que só se opõem à hierarquia política).

No aspecto ideológico, a oposição anarquista à hierarquia se traduz em uma rejeição da hierarquia entre ciência e senso comum, entre sábio e ignorante, entre aquele que detém o saber (ou o verdadeiro saber) e aquele que não o detém (ou que detém um falso saber). Isso não quer dizer que neguem o fato de que certas pessoas possam saber mais que as outras sobre certos assuntos, mas negam, sim, a conseqüência de que essas pessoas estejam, por causa disso, numa posição mais elevada que as outras no que se refere ao comando ou à tomada de decisões que afetem a todos. Acreditam no reconhecimento espontâneo do saber, sem subserviência aos seus detentores.

Qual o problema com a religião?

Uma frase anarquista famosa e chocante, da autoria do francês Diderot, é: "A miséria no mundo só acabará quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre". A referência à morte do último rei é claramente uma alusão à eliminação do Estado, mas o que tem isso a ver com a morte – pelo visto prévia e trágica – do último padre? Trata-se, sem dúvida, de uma alusão ao fim da religião, não do catolicismo em especial, mas de toda e qualquer religião que tenha existido, exista ou possa vir a existir sobre a Terra.

Aqui vamos tocar num ponto delicado, motivo por que todo cuidado é pouco. A oposição a toda forma de religião é um dos traços mais marcantes e combatidos da ideologia anarquista, havendo inclusive igrejas cristãs que execram o anarquismo por causa apenas dessa posição. No início do Séc. XX, quando o movimento anarquista tirou muitos fiéis da igreja católica e do templo protestante por torná-los ateus, o anarquismo ganhou forte oposição dos setores religiosos, e esta oposição acabou se estendendo a todos os pontos da ideologia anarquista, e não apenas ao ponto da condenação da religião.

O curioso dessa execração é que existe uma forte conexão entre algumas idéias anarquistas e algumas idéias cristãs, tanto que o regime das primeiras comunidades cristãs do Séc. II e III era exatamente uma forma de anarquismo. Tais comunidades viviam sob o lema "Faze ao outro o que queres para ti" e não adotavam nenhuma modalidade institucionalizada de coerção. Ali se acreditava na bondade natural do ser humano, na capacidade de resolver conflitos sem violência, na divisão dos bens segundo as necessidades de cada um, idéias que também estiveram presentes nas vertentes mais comunistas do anarquismo. Mas tamanho parentesco entre cristianismo e anarquismo acabou sendo totalmente eclipsado pelo fato de o anarquismo condenar a religião e, em troca, a religião condenar o anarquismo. Isso não impediu, contudo, que cristãos fervorosos fossem partidários do anarquismo nem que militantes do movimento anarquista mantivessem, mesmo que secretamente, suas crenças religiosas (como bem ilustra o nome do livro da escritora brasileira Zélia Gattai, "Anarquistas, graças a Deus", de 1979)

Quais os motivos da condenação do anarquismo à religião?

O primeiro é que a religião desempenhou frequentemente na história o papel de colaboradora e legitimadora do Estado. Na medida em que a religião faz o indivíduo crer que o governante é um deus, ou é escolhido por Deus, ou está legitimado por Deus, ou é uma provação posta por Deus para ser suportada pelo fiel, a religião predispõe o indivíduo a aceitar o Estado e a curvar-se perante os desmandos dos poderes constituídos.

O segundo é que a religião obriga as pessoas a fazerem ou deixarem de fazer certas coisas com base não na razão, mas em promessas e ameaças. Nesse sentido ela interfere na liberdade do indivíduo e o rebaixa à condição de um ser que não pode exercer sobre si um autocontrole espontâneo e racional, mas apenas uma disciplina infantil fundada em castigo e recompensa, que são os estímulos próprios dos animais.

O terceiro é que a religião impede o homem de viver a vida desse mundo plenamente, na medida em que lhe promete e o faz sonhar com outro mundo. O anarquista acredita que pode existir uma vida e uma sociedade melhor nesse mundo mesmo, mas apenas se o homem assumir plenamente a responsabilidade e ação de construir esse futuro. Se, ao contrário, supuser que os sofrimentos de agora serão recompensados noutro mundo, se supuser que é normal que esse mundo seja mau e injusto, se supuser que só pode haver felicidade no paraíso, então jamais tomará nas mãos as rédeas do próprio destino na Terra.

Não se pode dizer que esses argumentos não tenham sua dose de razão. De fato, a religião desempenhou esses papéis de agente legitimador, alienador e coercivo muitas vezes ao longo da história, e esse é um fato que dificilmente poderemos negar, independentemente de nossas posições pessoais sobre a verdade ou falsidade da mensagem religiosa. Vários regimes políticos estiveram diretamente apoiados em religiões, como no Egito antigo, na Babilônia, na Suméria, no antigo Império Chinês, no Império Romano do Oriente, no Império Carolíngio, nos Estados absolutistas modernos e, desde o seu surgimento, nos Estados árabes muçulmanos. Além disso, mesmo quando os regimes políticos não são diretamente legitimados pela religião, a filiação religiosa tende a predispor a população à aceitação, e não à luta contra os regimes políticos, à indiferença, e não à participação nos assuntos políticos da comunidade, e à valorização da obediência, e não da liberdade. Assim, torna-se difícil negar que a religião tenha sido um grande agente facilitador do domínio estatal sobre os povos.

Mas tampouco se pode dizer que tais argumentos estão imunes à crítica. Isso porque em todos os tempos houve fiéis que não viam com bons olhos a associação entre a religião e o Estado, temendo a corrupção da religião. Além disso, as religiões que possuem mensagens de justiça, amor e igualdade sempre forneceram um considerável conjunto de argumentos contra os desmandos e injustiças do Estado, além de um considerável número de militantes para as causas políticas de contestação e de derrubada dos regimes autoritários. Alguns sacerdotes e pregadores foram os verdadeiros responsáveis pelo despertar de certa consciência política nas comunidades em que atuam e pelo nascimento do interesse, inspirado em ideais de vida comunitária justa e solidária, de assumir a responsabilidade pelo próprio destino enquanto comunidade.

Por tudo isso, a oposição do anarquismo à religião deve ser vista como uma oposição a certo tipo conformista, alienante e passivo de religiosidade, que predispõe o indivíduo a ser servo dos poderes estatais constituídos. Se a religião, por outro lado, se unir à causa da liberdade, da justiça, da solidariedade, da construção de um mundo melhor e da eliminação da opressão, ela não só pode escapar à crítica anarquista, mas pode inclusive servir de companheira e propulsora do anarquismo.

Qual o problema com a propriedade?

Outra frase famosa do movimento anarquista, dessa vez da autoria do francês Proudhon, é: "A propriedade é um roubo". A idéia não é nova nem exclusiva do anarquismo. Platão já dizia que onde há propriedade privada não pode haver cidadania, porque o amor ao bem particular estará colocado sempre acima do amor ao bem comum. As primeiras comunidades cristãs eliminaram divisões de propriedade, deixando à disposição dos membros, conforme suas necessidades, os recursos disponíveis. Rousseau dizia que teria feito um grande favor à humanidade quem tivesse abatido o primeiro homem que fez uma linha na terra e disse: "Isso é meu", porque teria evitado uma multidão de males que derivaram da ganância de defender e de expandir o domínio do "meu". Essa também se tornaria uma das idéias chaves do socialismo, tendo havido quem chamasse a aparição da propriedade privada de "o verdadeiro pecado original", que tirou o homem do edênico paraíso comunal das sociedades em que tudo era de todos e não havia nem cercas nem cofres.

Contudo, o anarquismo não responsabiliza a propriedade apenas pela injusta desigualdade e pela feroz competição entre os homens. Ele a responsabiliza igualmente pela ausência de liberdade. Esse é um ponto importante, pois, como veremos, o liberalismo considera a propriedade um dos fundamentos da liberdade do indivíduo. O anarquismo, ao contrário, a vê como um limite e um obstáculo à liberdade individual.

Segundo os anarquistas, a partir do momento em que se instaura a distinção entre aqueles que possuem e aqueles que não possuem propriedade, ambos se tornam eternos escravos dessa condição. Aqueles que possuem deixam de ser livres, porque passam a dedicar sua existência a manter e ampliar sua propriedade. Aqueles que não possuem também deixam de ser livres, porque passam a depender daqueles que possuem para poder usufruir dos bens e recursos de que carecem. De um modo ou de outro, o indivíduo se torna escravo de sua condição de possuidor ou de não possuidor, sua vida a partir de então estará marcada e dirigida pela necessidade de manter essa condição ou de lutar contra ela.

Outra forma de compreender a oposição do anarquismo à propriedade é pela referência à tipologia dos poderes. Se há três poderes: econômico, ideológico e político, e se o anarquismo quer uma sociedade em que os homens se organizem apenas de acordo com consensos entre eles (ou seja, de acordo com um poder ideológico compartilhado), é normal que o anarquismo se oponha ao Estado (manifestação do poder político), à religião (como poder ideológico não compartilhado) e à propriedade (como referencial máximo do poder econômico). Do contrário, a existência de proprietários e não proprietários numa sociedade em que não existe Estado levaria a uma situação de constante tensão que deflagraria intermináveis conflitos e guerras. A única chance de manutenção de um estado de paz numa sociedade sem coerção é, segundo o anarquismo, a certeza de todos de que podem usufruir dos bens comunitários na mesma proporção em que todos os demais ou na proporção de suas necessidades reais.

Por isso, nas sociedades idealizadas pelos anarquistas mais representativos, não existe propriedade privada, todos os bens pertencem a todos e as escolhas sobre a melhor maneira de distribuir os bens entre os membros cabe ou à solidariedade espontânea de cada qual ou a alguma instância de livre organização da sociedade.

E depois do fim da coerção?

Sem dúvida o ponto da ideologia anarquista que mais despertou críticas ao longo do tempo não foram tanto as suas críticas em relação ao Estado, à religião e à propriedade, mas sim as suas propostas de como seria uma sociedade alternativa, vivendo em regime de plena igualdade sem propriedade e de plena liberdade sem coerção. Falaremos agora desse ponto em três partes: na primeira, sobre a via a tomar para chegar a essa sociedade alternativa; na segunda, sobre a organização da sociedade nessa sociedade alternativa; e na terceira, sobre os pressupostos e críticas a essa visão utópica do anarquismo.

a) Quanto à via a tomar para chegar a essa sociedade alternativa, o anarquismo tem três respostas diferentes. A mais romântica de todas é a de que haverá um momento em que os homens, cansados da injustiça e da opressão, cairão finalmente em si e decidirão por livre vontade e acordo declarar o fim do Estado e o nascimento de uma nova sociedade. Uma outra, menos romântica, é que o anarquismo deve atuar dentro das instituições democráticas, tornando suas idéias cada vez mais conhecidas e suas propostas cada mais bem aceitas, até que possa conquistar o poder político e, num último ato de Estado, dar fim ao Estado e iniciar a montagem da sociedade alternativa. Finalmente, há também a proposta de que se deve pôr fim ao Estado por meio de ação violenta, com atos de anarcoterrorismo (atos de terrorismo visando a desestabilizar a credibilidade e o poder das instituições políticas) e de anarco-revolução (um golpe armado, comandado pelas lideranças anarquistas e apoiado por setores populares, derrubando o Estado e instaurando a nova era da humanidade).

b) Quanto à organização dessa sociedade alternativa, há também diferentes idéias. Alguns anarquistas defendem que não haveria necessidade de nenhum tipo de organização formal, pois a livre colaboração entre os homens seria o bastante para dar conta das relações sociais e permitir a todos viver com liberdade e igualdade. Outros pensam que tal livre colaboração teria que ser fomentada e organizada por algum tipo de assembléia ou comitê que contasse com a participação de todos e tomasse suas decisões por consenso. O essencial para que essa instância de organização não fosse um simples substituto do Estado é que tanto a adesão a ela como a obediência às suas decisões fossem inteiramente livres, obtidas sem qualquer tipo de coerção.

c) Quanto aos pressupostos daquela visão utópica do anarquismo, é importante dizer que o anarquismo depende em muitos pontos de uma crença sobre a natureza humana. O anarquismo não é apenas a reação extrema contra as coerções políticas e as injustiças econômicas, é também a expressão mais acabada de uma confiança incondicional no homem e na sua capacidade de ser livre de maneira racional. O anarquismo acredita que a sociedade alternativa não é uma criação artificial, e sim um destino último que já está inscrito no coração de todos os homens e que só ainda não existe e não conta com a plena adesão das pessoas porque o homem foi acostumado por tempo demais a ser servo e acreditou por tempo demais que não tem direito a ser inteiramente livre; porque lhe incutiram a crença de que ele não é responsável nem solidário, de que ele não merece confiança e precisa ser mantido à rédea curta por algum poder exterior e superior a ele. Segundo o anarquismo, todas essas crenças são falsas e só servem aos propósitos daqueles que detêm o poder de coerção e que querem que os demais se submetam a ele por medo do que poderia acontecer se esse poder não existisse. Aquelas crenças seriam como as histórias de lobos-maus e bichos-papões que se contam às crianças para que elas não saiam à rua, não voltem tarde e sejam obedientes. As crenças na necessidade do Estado, da propriedade, da coerção, seriam contos que mantêm o homem num eterno estado de infância política, incapaz de acreditar na sua capacidade de ser feliz na Terra numa sociedade livre e igual.

Comentários

Anônimo disse…
Passei por aqui...
Unknown disse…
Viva o Anarquismo!
Rodrigo Ribeiro

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