Serão as normas indeterminadas?
Na Hermenêutica Jurídica, tornou-se um lugar-comum dizer que as normas jurídicas são sempre e inevitavelmente "indeterminadas". Com essa expressão se quer dizer que elas não possuem um sentido unívoco, podendo despertar dúvidas a respeito de sua aplicação a certos casos concretos. Pergunto-me se isso seria mesmo verdade ou apenas um mal-entendido. Vejamos um caso. A Constituição brasileira protege a liberdade de manifestação do pensamento. Agora digamos que um conjunto de estudantes resolve distribuir panfletos contra o consumismo capitalista no hall de entrada de um shopping center. Pergunta: Eles têm direito de fazer isso ou o shopping center pode proibi-los e expulsá-los de lá? Se nos baseamos apenas na norma que protege a liberdade de manifestação do pensamento: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato", não fica claro se os estudantes têm ou não o direito de fazer aquela panfletagem no shopping center. A dúvida poderia em parte ser atribuída à norma, pois, se ela dissesse: "é livre a manifestação do pensamento, inclusive em locais que, embora abertos ao público, são de propriedade privada, sendo vedado o anonimato", não haveria dúvida sobre como decidir o caso. Contudo, para que uma norma contivesse previamente todos os detalhamentos necessários para dirimir as dúvidas de todos os possíveis casos futuros, ela teria que prevê-los todos e estender-se tanto a ponto de tornar-se incompreensível. Se é pacífico que as normas não podem ser assim, então a norma em questão não conter aquele detalhamento não pode ser considerado um "defeito" da norma. Mais ainda, o conteúdo da norma é perfeitamento determinado: "qualquer ato que se possa razoavelmente classificar como manifestação do pensamento está livre e protegido de qualquer ato que se possa razoavelmente acusar de tentar impedi-lo ou dificultá-lo". A questão: "Mas e se o ato de manifestação do pensamento ocorrer num local que, embora aberto ao público, é de propriedade privada?", que é a questão que o caso põe à norma, não revela uma omissão da norma, e sim um conflito entre essa norma, a da liberdade de manifestação do pensamento, e outra norma, a da propriedade privada. É a percepção de que os proprietários do shopping center tolerarem aquela manifestação do pensamento dentro do prédio que lhes pertence implicaria numa restrição não legalmente prevista ao seu direito de propriedade que torna o caso difícil. Para mim, esse tipo de problema não diz respeito à indeterminação da norma, e sim à indeterminação de qual a aplicação adequada da norma ao caso. Parece-me muito mais um problema de decidibilidade do caso que um problema de interpretação da norma.
Comentários