Direito subjetivo

Que significa “ter direito a” certa coisa? Ou melhor, permitam-me primeiro esclarecer a natureza da minha pergunta. Não estou perguntando pelas chamadas teorias do direito subjetivo, que se aprendem em Introdução ao Estudo do Direito (e que geralmente jamais voltam a ser de nenhum interesse para o estudante ou para o profissional de direito, o que é sintomático de que tais teorias não fazem o que prometem fazer). Vou fazer agora referência a elas apenas para que fique claro por que elas não respondem ao que estou perguntando aqui.

Essas teorias são geralmente organizadas em três grupos: a) Teoria da vontade (de Savigny e Windscheid), que entende que o direito subjetivo é o poder da vontade reconhecido pela ordem jurídica; b) Teoria do interesse (de Ihering), para o qual o direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido por meio de uma ação judicial; c) Teoria Mista (de Jellineck, Saleilles e Michoud), que define o direito subjetivo como o poder da vontade reconhecido pela ordem jurídica, tendo por objeto um bem ou interesse. As três teorias tentam responder à questão errada. As três tentam responder qual é a coisa ou substância a que o direito atribui o nome de “direito” e chegam ou ao binômio vontade + reconhecimento ou ao binômio interesse + proteção. Ambos os binômios trazem um elemento fático (vontade/interesse) e um elemento normativo (reconhecimento/proteção). Ambos supõem que a ordem jurídica apenas reconhece ou protege uma vontade ou interesse preexistente, própria do sujeito. Mas o Direito não precisa de definições substancialistas, e sim de definições operacionais: Quer dizer, precisa que suas definições digam que se deve fazer.

O que nenhuma das teorias faz é dizer qual circunstância ou conjunto de circunstâncias deve estar presente para que se possa dizer que alguém tem direito a certa coisa. Se não, vejamos. Se eu disser que direito à vida é a “vontade de estar e de permanecer vivo, reconhecida pela ordem jurídica” ou ainda o “interesse no bem jurídico ‘vida’, protegido pelo Direito na forma de ações judiciais para tutela desse bem”, não ganho nada com tais definições. Uma definição do direito à vida teria que ser capaz de me dizer em que circunstâncias cabe dizer que alguém tem direito à vida, bem como exatamente a quê tem direito quem tem direito à vida.

Um requisito necessário de qualquer definição realmente útil de “ter direito a” alguma coisa é que se desatrele a noção de direito subjetivo das noções de vontade ou interesse. Quem tem direito a alguma coisa tem esse direito mesmo quando não tem nenhuma vontade ou nenhum interesse por tal coisa (por exemplo, quem gosta da casa onde mora e de jeito nenhum se desfaria dela tem, no entanto, o direito de vendê-la) e, mais ainda, mesmo quando tem a vontade ou interesse contrário ao que o direito lhe confere (por exemplo, às vezes se nega o pedido de uma pessoa pela eutanásia com base no seu “direito à vida”). Essa desconexão com qualquer base fática fica ainda mais clara se consideramos que pessoas jurídicas também tês direitos, embora sendo, enquanto ficções, incapazes de qualquer vontade ou interesse.

Assim sendo, volto à pergunta: Que significa “ter direito a” alguma coisa?

Comentários

Débora Aymoré disse…
Acho que a questão pode ser dividida em duas: o que é o direito na origem e o que é em sua realização. Apesar de concordar que é possível estabelecer uma separação entre o normativo e o fático, não me parece interessante que eles estejam separados na origem da norma, pois isto poderia levar ao extremo de que o normativo pode ser utilizado como instrumento para qualquer tipo de vontade. O que, por um lado, é factualmente possível, porém não moralmente recomendável. Já no momento da realização da norma, considero que a vontade do destinatário em alguns casos permanece em segundo plano, como no caso de direitos fundamentais. Interessante notar que mesmo estes foram historicamente construídos e, neste sentido, na origem o normativo e o fático (aqui, no caso, o fato histórico) estão reunidos.

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