Um Pouco Mais sobre Arte

Devido ao (suposto) regime de superexploração a que submeto a Fernanda na monitoria, devidamente denunciado pela Marina no comentário a outra postagem minha (no qual ela parecia aspirar à mesma condição severiniana), não estou em posição para negar um pedido feito por ela, de modo que me sinto na responsabilidade de falar um pouco mais sobre Arte aqui no Blog, ainda que esse assunto fuja um pouco aos propósitos para os quais o Blog geralmente se presta. Não sou assim tão versado em Estética, nem em Filosofia da Arte, muito menos em Teoria da Arte, mas vou tratar aqui de alguns conceitos básicos na medida em que estiver ao meu alcance.

Primeiro de tudo: O que é Arte? Essa pergunta pode remeter a duas coisas diferentes: 1) A um conceito de Arte; 2) A um critério com que distinguir Arte de não-Arte. Quanto ao conceito de Arte, poderíamos dizer que se trata de qualquer criação humana, total ou parcialmente desvinculada de seu valor de uso, que realize um ideal estético e se volte à contemplação desinteressada de um público leigo ou especializado. Quanto ao critério de demarcação, depende de em relação a que se quer distingui-la: Em contraposição à natureza, a Arte se marca por ser intencional e humana, e não acidental e não-humana; em relação à indústria, por visar ao valor de contemplação, e não ao de uso; em relação ao entretenimento, por realizar um ideal estético superior e visar a um público seleto, e não simplesmente proporcionar prazer ao maior público possível; em relação à filosofia, por ser intuitiva, e não conceitual; em relação à religião, por ser mundana e imanente etc.

Em segundo lugar: Em que consiste o valor estético? Não é fácil responder a isso. A resposta mais cautelosa seria considerar que se trata de uma integração entre uma forma dotada de apelo sensual e um conteúdo dotado de apelo intelectual. Trata-se do chamado duplo prazer que a Arte proporciona: o prazer imediato dos sentidos, devido à beleza da obra, e o prazer mediato do intelecto, devido ao seu sentido. Essa não é, contudo, uma descrição consensual nem neutra, pois responde à chamada concepção clássica de Arte, que herdamos dos gregos. Mas ela pode se adaptar mais ou menos facilmente inclusive às concepções mais modernas, como o formalismo, o abstracionismo e a “arte pela arte”.

E a Beleza, em que consiste? Outra pergunta difícil. A Beleza certamente tem a ver com apelo sensual, quer dizer, com a aptidão para produzir sensações agradáveis, sobretudo à visão e à audição (embora a aptidão de produzir alguns prazeres tácteis, olfativos e gustativos seja também, no mínimo, assemelhada à beleza). Esse prazer pode ser o prazer lânguido, semelhante ao transe (aquele que Nietzsche chama de Apolíneo e que se relaciona ao sono e ao sonho), ou o prazer febril, semelhante ao êxtase (aquele que Nietzsche chama de Dionisíaco e que se relaciona com o sexo e a embriaguez). O prazer apolíneo é obtido através do equilíbrio e da harmonia entre formas ou entre sons. O prazer dionisíaco é obtido através da excitação e do excesso.

Mas a Beleza não se esgota nisso. Além de ser uma aptidão para produzir prazer sensual, a Beleza é também uma aptidão a produzir certo estado de ansiedade ou nostalgia. Ela é ao mesmo tempo uma satisfação e uma carência, causa saciedade e nova privação. Nisso ela se assemelha ao Amor, motivo por que os gregos os associaram tantas vezes entre si: Desde a crença mitológica de que Afrodite era deusa da beleza e seu filho, Eros, era o amor, até a doutrina platônica de que a Alma ama o que é belo.

A Beleza não é, como às vezes se diz, dependente dos olhos de quem vê. Embora juízos do tipo “X é belo” não possa ser qualificado adequadamente como um juízo objetivo, também não pode ser qualificado como subjetivo. Os juízos estéticos repousam sobre certos padrões de valor compartilhados pelos membros de certa cultura e podem ser defendidos racionalmente com base em tais padrões. Uma afirmação como “As Mulheres Taitianas é a melhor pintura de Gauguin” pode ser defendida com razões, enquanto “Baunilha é o melhor sabor de sorvete” não pode. O primeiro é um juízo estético que se apóia em padrões valorativos compartilhados, enquanto o segundo é a expressão de um gosto subjetivo meramente privado.

Quanto ao gosto, aliás, vale a pena distinguir entre dois sentidos desse termo: 1) Gosto subjetivo, que é certo padrão ou conjunto de preferências privadas, próprias de um indivíduo, que determinam o que lhe agrada ou desagrada; e 2) Gosto objetivo, que é a capacidade, produto da integração entre sensibilidade natural e educação estética, de distinguir entre o belo e o feio, entre obras de maior e menor valor estético. Quem consegue ter gosto objetivo e fazer coincidir com ele seu gosto subjetivo, ou seja, quem reconhece o que é belo e cultiva o amor pelo belo, tem “bom gosto” em sentido estético.

Comentários

Fernanda disse…
Muito obrigada pela postagem, está realmente muito boa, gostei muitíssimo, pior é que ele dá um toque de quero mais. Deu até vontade de ler mais sobre o assunto. Gostei muito das diferenciações que você trouxe...

Com relação à (((suposta))) exploração, digamos que existem suas vantagens e seus ganhos... =x
Na verdade, é bastante gratificante, levemente aterrorizante, e muito estimulante conviver com o senhor neste meio acadêmico, com a possibilidade de compartilhar e descobrir novos conhecimentos, praticamente novos horizontes, a cada momento.

Muito obrigada pela postagem, inspiradora inclusive para eu tirar um pouco do pó do meu blog, e muito obrigada pelas oportunidades que o senhor me proporcionou.
Débora Aymoré disse…
André. Ainda não li sua outra postagem sobre Arte, mas posso afirmar que esta pareceu-me bastante interessante. Admiro sua capacidade de transitar em diferentes áreas do saber. No entanto, como sugerido pelo comentário da Fernanda, abordar alguns conceitos leva a outros conceitos e, consequentemente, a necessidade de mais estudo e leitura. Talvez mais um exemplo para uma das concepções de arte que você esboçou (se é que compreendi direito): o conceito ao mesmo tempo que provoca algum tipo de satisfação, neste caso, intelectual, faz lembrar a necessidade de continuar buscado o conhecimento sendo, portanto, igualmente fonte de frustração. Neste sentido, haveria alguma relação entre o filosófo e o artista, retomando, talvez, a dualidade platônica. Um abraço, amigo.
Marina Moreira disse…
Engraçado, eu li e reli este post. Não me ocorre nada de útil a acrescentar, mesmo porque de arte não compreendo nem o que tange ao senso comum. De fato, eu ainda tenho que estudar sobre isso para dar uma colaboração. Pelo contrário, saí lucrando pelas valiosas informações... =X

Mas sobre a primeira parte, é verdade, eu acho que todos falam que ser monitor não é moleza, especialmente com a dedicação da Fernanda. Mas se me perguntassem se eu gostaria ser uma monitora boa como ela, pro professor que ela monitora, eu não piscaria e diria sim três vezes só pra ter certeza que o dono da pergunta entendeu a resposta.

No fim das contas, ainda estou engatinhando, mas quero logo galgar as escadas pra poder correr. E aprender muito mais não só de filosofia, mas de gente com você, professor André, e com a Fernanda. É gratificante pra mim. Por isso, muito obrigada sempre.

E se eu falar qualquer coisa além disso, não vai dar certo! hausdhuasdhuahduashdashdua

Ps: É o natal que faz eu ficar assim? Acabei de escrever algo semelhante há algum tempo atrás. X_X

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