Sobre a Profundidade
A profundidade é mais fácil de perceber que de definir. Claro que não falo da profundidade espacial, profundidade dos corpos. Falo da profundidade espiritual, profundidade das ideias e das obras humanas. O que torna profunda uma frase, uma fala, uma obra não é muito claro. Um dito como: "A guerra é má porque faz mais homens maus do que os elimina" é, sem dúvida, profundo. Mas sua profundidade não reside na sua verdade. Com dizer que é profundo não se aponta que é simplesmente verdadeiro, e sim algo mais que isso. Talvez seja inclusive possível que um dito seja profundo sem ser verdadeiro. "A virtude não requer recompensa, porque não há recompensa maior que ser virtuoso" é inegavelmente profundo, mas, confrontado com o pouco valor que a maioria dos homens dá a tal recompensa, não parece muito verdadeiro. Não me importa tanto provar que é falso, e sim mostrar que seguiria sendo profundo, mesmo que fosse falso. Isso pareceria aproximar o profundo do belo, que também não depende de ser verdadeiro. Mas aqui também se erra, porque se pode ser profundo sem ser belo. "Quem considera o homem bom e tranca sua casa desmente com seus atos o que afirma com suas palavras" não tem nada de belo (ao contrário, é de uma crueza atroz), mas é profundo, com certeza. Tem, se se quiser assim, a beleza das coisas profundas, mas isso não é beleza, e sim certo prazer respeitoso que se sente ante o que é profundo, semelhante ao que se sente ante o que é belo. Um palpite que parece estar na pista certa seria que o profundo está numa espécie de sentido percebido tardiamente, uma espécie de constatação à segunda vista, uma verdade aparente ao segundo olhar. Seria, assim, o oposto do que é óbvio: este, tão logo se enuncia, todo mundo confirma sem hesitação. Já o profundo, logo que se enuncia, parece falso, porque nega o óbvio; mas, depois que se examina melhor o enunciado, as peças que antes estavam separadas agora parecem tão encaixadas que nada mais pode separá-las. Essa é, pelo menos por ora, a minha noção de profundidade: É profunda a ideia que num primeiro momento perturba, porque se choca com o óbvio, mas, depois de reflexão, ganha a adesão do espírito. Ou ainda: profundidade é o poder que certas ideias têm de primeiro perturbar nosso espírito, chocando-se com o que é óbvio, e depois ganhar sua adesão, mediante certa reflexão.
Comentários
Ainda não tinha pensado muito a respeito da "profundiade", mas concordo que para se falar nela, é precisso passar pelo "verdadeiro" e pelo "belo" (e ainda pelo "bom"). Acho que são elementos com mais conexão entre si e com a "profundidade" que se poderia estender bastante este tema.
Talvez ainda que as coisas profundas não mencionem diretamente o "bom", o "belo" e o "verdadeiro", é possível que elas façam o espírito remeter-se os três. Mesmo que criando intuições a respeito.
Também palavras profundas dizem mais do que a literalidade do seu significado. Por isso acho que talvez possam alcançar o "bom", o "belo" e o "verdadeiro" de alguma forma...
Um Abraço
Ariel Castro
Agora, respostas individualizadas.
Débora e Fernanda, resolvi ampliar a postagem, para fazer-me mais claro acerca das relações entre profundo, verdadeiro, bom e belo.
Ariel, saudade de você e dos meus queridos alunos também. Estar longe das pessoas que amo e da atividade que amo são as únicas duas coisas que impedem minha estada por aqui de ser perfeita.
Yúdice, estou lembrando, sim, de sua visita e está de pé o café, que espero que seja mais que um só, para darmos espaço às nossas conversas pessoais que, no corre-corre da sala dos professores, nunca tiveram a mesma tranquilidade e agudeza que nossas conversas virtuais.
Um abraço a todos!