São as Ideias e Emoções Que São Pobres Demais para as Palavras: Argumento pelo Uso de uma Metáfora Cambial
É comum ouvir de alguém que quer compartilhar com outro uma ideia estimulante ou uma emoção intensa a seguinte frase: “As palavras são pobres demais para expressar o que eu gostaria”. Eu, que sou amante das palavras, sempre me incomodei com essa frase. Sempre me pareceu que eram as ideias e as emoções que eram confusas, incompletas, contraditórias, precipitadas, enfim, elas é que eram pobres demais para as palavras, e não o contrário. Mas, colocado em termos de se são as ideias e emoções que são pobres demais para as palavras ou se é o inverso, a questão se transforma numa variante do paradoxo de Tostines, que, para quem não viveu ou não se lembra fim dos anos 80, era o biscoito acerca do qual se levantava a questão: Vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais?, e a resposta dependia enormemente de opinião e ponto de vista. Para fugir do paradoxo de Tostines, eu criei uma metáfora, que, porque apela para a imagem de uma conversão entre moedas, chamei de “metáfora cambial”. Consiste no seguinte. Imagine que, em certo dia, existe uma correspondência exata entre R$1 e €3. Ora, nesse dia, se eu quiser converter R$3 para euros, terei €9, enquanto, se eu quiser converter €3 para reais, terei R$1. Isso quer dizer que o euro é, nesse dia, uma moeda mais forte que o real. É por isso que, ao passar de reais para euros, os valores numéricos aumentam, enquanto, ao passar de euros para reais, os valores numéricos diminuem. Quem tivesse R$9 e passasse a ter €3 teria a sensação de uma perda ou diminuição, que não seria verdadeira, e sim aparente. Quem tivesse €3 e passasse a ter R$9 reais teria a sensação de um ganho ou aumento, que também não seria verdadeiro, e sim aparente. Pois bem, aplicando esse raciocínio para a questão da conversão de ideias e emoções para palavras, minha sugestão é que, como as ideias admitem confusão, lacunas e contradições mais do que as palavras, o volume de uma mensagem é, no terreno das ideias e das emoções, aparentemente maior e, no terreno das palavras, aparentemente menor. Mas se trata do mesmo conteúdo, só que filtrado pela razão e purificado de suas imperfeições lógicas. É, recuperando a imagem cambial, como se a linguagem fosse uma moeda mais forte e as ideias e emoções uma moeda mais fraca. Temos, ao verter ideias e emoções para palavras, a sensação de perda e diminuição que temos ao converter reais para euros. Se de fato fossem as palavras que fossem pobres, elas seriam a moeda fraca e, ao convertermos ideias e emoções em palavras, teríamos a sensação de ganho e aumento que se tem ao converter euros para reais. Não sei até que ponto essa metáfora é realmente um argumento, mas é no mínimo uma imagem adequada pela qual expressar a opinião que sempre tive.
P.S. Recomendo fortemente a leitura dos comentários a essa postagem, onde a discussão se aprofunda e se refina bastante a partir das críticas.
P.S. Recomendo fortemente a leitura dos comentários a essa postagem, onde a discussão se aprofunda e se refina bastante a partir das críticas.
Comentários
Segundo, a tal interação recíproca (que você chamou de "relação dialética") entre ideias e emoções, de um lado, e linguagem, do outro, não deve nos confundir. Palavras podem sugerir, produzir, suscitar ideias e emoções, mas palavras não são "vertidas" em ideias e emoções, como estas o são em palavras. Só cabe falar em conversão de ideias e emoções em palavras, mas não em sentido contrário.
Terceiro, a sensação que temos ao tentar verter uma ideia estimulante ou uma emoção intensa em palavras é de que as palavras não fazem jus ao que antes tínhamos. Eu chamo isso de sensação de perda ou diminuição, sim. Mas, se não quiser, não precisa chamar assim. A inadequação de que você falou já serve. Essa inadequação não é das palavras para expressar ideias e emoções, é das próprias ideias e emoções para despertar noutra pessoa a mesma reação. Quando ouvimos o que dizemos ou lemos o que escrevemos, assumimos a posição de um possível ouvinte ou leitor externo e vemos que aquilo que nos suscita tanta reação não o faria do mesmo modo num terceiro não envolvido com a situação. Não são as palavras que são fracas ou pobres, e sim as próprias coisas comunicadas por elas, que são experiências privadas, incapazes de repetir-se na outra pessoa por simples comunicação. Se fosse uma ideia genial, causaria no outro a mesma reação que em nós; se fosse um emoção vertida na forma de belo estético, causaria no outro a mesma reação que em nós. Mas, se é uma ideia ou emoção comum, uma simples experiência privada entre outras, incapaz de transcender a subjetividade que a experimenta, então, quando vertida em palavras, mostrará exatamente a pequenez que tem, da qual só não nos apercebíamos por estarmos demasiadamente envolvidos na situação.
i) Remembering Aristotle's old advice not to take examples and metaphors as if they were real arguments, because every example needs to be clarified in its meaning and every metaphor needs to be proven appropriate to the metaphorized thing, I would like to ask you what really matters that you have found an instance of exchange in which the apparent loss of face value is due to the higher exchange value of the final currency, if you were not able to demonstrate that we have some very good reasons to compare ideas, emotions and words with money - which you haven't done at all. Besides, your metaphor assumes that ideas and emotions are entirely exchanged into words, something very hard to support, once those complaining about the limitations of language rely on the feeling that something important is missing in the verbal formulas. Your later argument of a 1st-person and a 3dr-person view transfers the missing thing to the level of relevance, but those complaining are missing content, not relevance.
ii) More important: Your entire discussion of this issue assumes that ideas and emotions are non-verbal existent realities that would, only in a second moment, be poured into words. This sounds like a conversation hold in the XIXth century, when the subjectivist paradigm of thinking was still alive and we could speak of language as only an instrument for communication. After Husserl, Frege and Wittgenstein this is not possible anymore, because that instrumental view of language is replaced for a constitutive view of it. So, if no private language is possible, then no non-verbal ideas and emotions are possible, because saying "I'm feeling angry" or "I'm remembering my Grandfather's farm" is only possible in a linguistic code, with public and shared rules, without which we would not know what we are feeling in the end of the day. This consideration shows your entire argument as a very outdated discussion about the irresolvable problems of the Cartesian legacy.
1) Na sua primeira crítica, você me acusou de ter usado uma metáfora sem ter justificado seu uso, isto é, ter comparado a conversão de conteúdos de ideias e emoções para palavras com a conversão de valores financeiros de uma moeda mais fraca em uma moeda mais forte, sem ter dado boas razões para que a comparação seja aceita como adequada. Bem, em primeiro lugar, me parece que a metáfora é capaz de demonstrar uma coisa importante: quando se trata de conversões, às vezes menos é na verdade mais. Mostrar que isso é verdadeiro em algum caso familiar dá suporte à minha tese posterior de que é isso que ocorre na conversão de ideias e emoções para palavras. A metáfora seria um pseudo-argumento se eu não tivesse dado nenhuma razão para minha tese que não ela. Mas eu dei. Disse que ideias e emoções permitem incompletudes e incoerências que a linguagem rejeita e filtra. Daí que se tenha a impressão de uma perda de conteúdo, quando, na verdade, se trata do mesmo conteúdo, vertido num código racionalmente mais exigente. Esse é o argumento central. A metáfora é apenas um recurso de apoio, para vizualização de que meu argumento faz sentido para certas experiências que já conhecemos.
i) Se, como você recorda, nossa compreensão de ideias e emoções já exige um código linguístico, então isso apenas tranfere o problema do quão fiel é a expressão delas nesse código do momento posterior da fala para o momento anterior da própria autocompreensão subjetiva. Se já preciso da linguagem para entender uma emoção como "Estou com raiva" ou uma ideia como "Estou lembrando da fazenda de meu avô", isso só quer dizer que o problema do quão fiel é essa tradução para a linguagem não precisa esperar até o momento em que o sujeito queira comunicar a outro seus estados subjetivos, pois já surge, no próprio íntimo do sujeito, no momento em que ele quer compreender esses estado subjetivos para si mesmo. A meu ver, isso não elimina o problema, apenas o antecipa e agrava.
ii) Mesmo considerando o que acabei de dizer, o problema relativo à comunicação em palavras de nossas ideias e emoções continua existindo. Pois uma coisa é minha autocompreensão (que, você tem razão, já tem que ser linguística) de minhas ideias e emoções, outra coisa é a comunicação (também linguística) dessas autocompreensões para outra pessoa. O problema agora se torna duplo: a) Quão boa é a linguagem como meio de autocompreensão de minhas ideias e emoções? e b) Quão boa é a linguagem como meio de comunicação de minhas autocompreensões? Supondo que a linguagem funcione bem no primeiro momento, isso não implicaria automaticamente que funcionasse bem também no segundo. Do contrário, a comunicação de nossas ideias e emoções seria sempre tão boa quanto nossa autocompreensão delas e, nesse caso, a sensação de perda daqueles que reclamam da linguagem como meio pobre de expressão de ideias e emoções teria deixado de fazer sentido. O próprio fato de haver quem reclame disso é uma prova de que a questão da comunicação é distinta da questão da autocompreensão e de que, portanto, o problema da tradução linguística das ideias e e emoções se coloca em dois momentos distintos.
A única forma de a virada linguística ter anulado a questão completamente seria se entendêssemos que ideias e emoções já são desde o princípio apenas linguagem, de modo que nada haveria de prelinguístico para ser traduzido para palavras. Mas essa é uma compreensão muito radical (o termo certo seria "metafísica") da virada linguística, que anularia a própria ideia, básica para nossa compreensão da linguagem, de que a linguagem expressa e comunica "algo" que está fora e além dela. Se tudo for linguagem, então a linguagem não expressa nem comunica nada, o que seria absurdo. A compreensão mais adequada dos efeitos da virada linguística para essa temática é de que não apenas a comunicação de nossas ideias e emoções, mas até mesmo a autocompreensão delas, tem que ser linguística. Isso quer dizer que precisamos da linguagem para compreender ideias e emoções, e não que ideias e emoções no fundo não são senão linguagem.
Espero ter respondido às críticas.