Votar no candidato, no programa, no partido ou nas vantagens?

Supondo que você não vai (1) simplesmente vender o seu voto para quem lhe der mais dinheiro ou lhe fizer mais favores, (2) simplesmente votar em quem os seus pais, seu cônjuge, seus amigos, seus colegas de trabalho, sua timeline do Twitter, seus contatos do Orkut e do Facebook etc. disserem que vão votar, (3) simplesmente votar em quem você sempre vota porque você pertence a um partido ou é ligado a um candidato ou (4) simplesmente anular o seu voto ou votar em branco - seja porque seu tempo é precioso demais para perder com política, seja porque seu apoio é nobre demais para ser dado a algum candidato que não seja isento de falhas, erros e suspeitas -, você terá que pensar bem e decidir, a partir das opções disponíveis, em quem vai votar. E, nessa hora, surgirá a questão: Com que critério escolher? Gostaria de fazer uma apreciação crítica de quatro possíveis critérios de escolha: a) a pessoa do candidato; b) o programa do candidato; c) o partido do candidato; e d) as vantagens que você, sua família, sua empresa, sua classe etc. leva com a eleição do candidato.

a) Voto no candidato. Quem opta por esse critério acha muito importante examinar o perfil, a biografia, a experiência e o caráter de cada candidato em questão. Isso só seria realmente possível se você convivesse com o fulano diariamente e tivesse acesso a seus sentimentos, pensamentos, intenções e motivos. Como não é esse o caso, a sua informação a respeito só pode ser indireta. Salvo casos extremos para o bem ou para o mal (geralmente para o mal), o perfil, a biografia e o caráter serão quase sempre uma questão do marketing da campanha e da boa vontade da imprensa para com o candidato em questão. Experiência, que, à primeira vista, pareceria ser um critério mais objetivo, também é difícil de ser avaliado. Quem já governou é melhor do que quem nunca governou pelo simples fato de já haver governado? Bom, então elegeríamos sempre os mesmos candidatos. O que importa é se governou bem? Mas o que é ter governado bem? Certamente o candidato será capaz de listar várias melhorias e acertos de sua gestão, enquanto o adversário será também capaz de listar várias pioras e erros da mesma gestão. E mais: O fato de que uma melhora ou piora ocorreu durante a gestão daquele candidato significa que ocorreu por causa dessa gestão? Certamente, não, porque o êxito de uma gestão é uma questão de interação entre as decisões tomadas e as circunstâncias enfrentadas, sendo que estas últimas não são nem de todo controláveis, nem de todo previsíveis, nem de todo repetíveis numa possível nova gestão. E mais: A consideração do que o candidato fez enquanto governava, para ser critério de escolha, teria que basear-se numa comparação com o que o outro candidato teria feito se estivesse no lugar do primeiro, coisa que o eleitor jamais saberá, porque simplesmente não ocorreu. E teria que basear-se também na suposição de que circunstâncias muito semelhantes se apresentarão na nova gestão para a qual o candidato concorre, pois, do contrário, a experiência passada não informa muita coisa. Tudo isso temperado pelo fato de que não conhecemos nem temos como conhecer todas as decisões e resultados de uma gestão. Formamos apenas uma concepção geral, normalmente vaga e restrita ao que vemos ou temos contato, sobre uma gestão ter sido "boa" ou "ruim", no sentido de haver tornado visíveis ou conhecidas decisões com que concordamos ou de que discordamos, nada mais. Mesmo que conhecêssemos todas as decisões e resultados de uma gestão, não teríamos capacidade técnica nem experiência política para avaliar quando as decisões foram boas ou más ou quando foram realmente responsáveis pelo resultado. Esse fato é muito sério, porque coloca em xeque a própria ideia de avaliação de gestão pelo eleitor e, dessa forma, a própria democracia.

b) Voto no programa. A segunda opção seria votar no programa, isto é, nos princípios, metas, planos, promessas e slogans da campanha do candidato. O primeiro problema desse critério é que requer que o candidato de fato tenha um programa de campanha e que você acredite que ele está de fato disposto a cumpri-lo como prometido. Mas, com otimismo, vamos supor que ele tem e que você confia nele. É bom recordar que a ordem dos fatores não costuma ser primeiro elaborar um programa e depois ver se ele agrada ao eleitorado, e sim o contrário: primeiro fazer pesquisas estatísticas das reclamações e aspirações dos eleitores e depois, com base nelas, elaborar o programa de campanha. Ocorre que, se vários candidatos fazem isso, todos terão programas muito semelhantes. Isso explica em parte a monótona homogeneidade das propostas apresentadas pelos candidatos: Mais empregos, melhor renda, mais segurança, melhor saúde, mais e melhor escolaridade, tanto fundamental, quanto técnica e universitária, incentivos aos produtores e empreendedores, facilidades de crédito, mais moradias, mais e melhores transportes, mais e melhores estradas, e por aí vai. O que muda é o marketing: Alguns apresentam melhor suas propostas; dão a elas nomes pomposos, engenhosos, engraçados ou criativos; associam com imagens do que falta ou do que já é feito noutro lugar; discursa melhor sobre o quanto se preocupa ou sempre se preocupou com isso etc. Mas isso não é diferença de programa, e sim de campanha, produção, tutoria e apoio técnico. A verdade é que os programas dos candidatos, no que se refere ao conteúdo das propostas, mudam muito pouco de um para o outro. O que faz mais diferença, além da ênfase e criatividade da apresentação, é a credibilidade das promessas, quando associadas ou à pessoa do candidato ou à legenda do partido. Como já falamos da primeira, falemos agora desta última.

c) Voto no partido. Tal como o voto no programa requer que o candidato tenha um programa e que você confie na intenção dele de realizá-lo, o voto no partido requer que o partido tenha uma ideologia e projeto deifnidos e que o candidato de fato se identifique com isso. As duas coisas são raríssimas. Fora o problema endêmico do número excessivo de legendas e da falta de fidelidade partidária dos políticos, podemos também acrescentar a dificuldade de que ideologias políticas são hoje em dia entidades culturais ameaçadas de extinção. No Brasil, por exemplo, não existe direita: Ninguém defende estado mínimo, cancelamento de todos os investimentos e programas sociais, privatizações de setores centrais, não intervenção do Banco Central na flutuação da moeda, livre comércio com pouca ou nenhuma taxa aduaneira com países do mundo todo e livre acesso do capital internacional. E aqui só estou falando da ideologia econômica da direita, nem estou entrando na ideologia religiosa (tudo bem, atualmente há um debate com viés plebiscitário sobre aborto, mas isso não é nada perto das tradicionais bandeiras religiosas da direita no mundo inteiro: orações nas escolas, educação religiosa, ensino do criacionismo, proibição de preservativos e anticonceptivos, valorização da família tradicional e da instituição do casamento, dificultação do divórcio, perseguição aos homossexuais etc.), na ideologia política (controle da imprensa, proibição da pornografia, fiscalização de associações e reuniões, valorização da moral, do decoro e dos bons costumes, das velhas tradições e símbolos nacionais, do patriotismo, do militarismo etc.). Da mesma forma, no Brasil não existe esquerda: Ninguém defende estatização de bancos, empresas, terras e patrimônios para gestão pública, nem controle estatal do fluxo de importação e exportação, nem planejamento plurianual de investimentos e produção, nem tomada de decisões por parte de sindicatos, partidos e associações de trabalhadores. Quer dizer, retificando: Há partidos que defendem isso, mas não partidos que, por ora, tenham suas vozes ouvidas e levadas em conta nem que tenham sérias chances de ganhar uma eleição. Não havendo direita nem esquerda (ou pelo menos esquerda relevante), os partidos dos principais candidatos têm cinzentas ideologias centristas, as quais consistem quase sempre no esvaziamento dos elementos políticos, que se vêem substituídos por modelos de gestão. Vamos deixar claro o que isso quer dizer: Quer dizer que não se discutem diferentes fins, e sim diferentes meios de chegar aos mesmos fins. E não se discutem os fins porque os fins estão feitos, embalados e prontos para consumo na sociedade pequeno-burguesa: Os fins básicos são mais dinheiro, mais consumo, mais segurança, mais conforto e mais lazer. Ou seja: Mais vida burguesa, sem que ninguém questione a sério se esse é ou não o modelo de vida que deveríamos seguir e se ele cumpre ou não as promessas de felicidade que nos faz, ou ainda se isso é tudo a que os seres humanos deveriam aspirar em todo o tempo de vida e com todo o potencial que tem. A concepção de vida boa não é discutida, apenas os modelos gerenciais mais eficientes para o modelo de vida boa dominante: o pequeno-burguês. (A crítica aqui é até mais dura que nos outros itens porque ela se dirige para mim mesmo, já que meu critério costuma ser votar no partido.) 

d) Voto nas vantagens. Nesse último caso, a pessoa não se preocupa com o bem comum, ou não sabe que ele existe, ou acha que ele não existe, ou não liga para ele, ou não acredita que ele possa vir a realizar-se. Ela decidiu que o que ela pode fazer com o seu voto é garantir um futuro melhor para si mesma e para os seus, um grupo geralmente restrito, mas formado de pessoas com as quais ela se importa pessoalmente. Pode ser a sua família, a sua vizinhança, a sua região, a sua empresa, a sua classe social, a sua categoria profissional etc. Ou pode ser apenas para ela mesma, como na hipótese de que ela tenha perspectiva de receber esse ou aquele cargo, ou de receber esse ou aquele favor, ou de ser mantido no cargo que já tem, ou de seguir recebendo o favor que já recebe. Nesse caso, a pessoa já apagou a distinção entre público e privado, entre cívico e pessoal, entre político e econômico etc. Fora o fato de que as promessas de recebimento ou de manutenção de vantagens são, no fim das contas, apenas promessas, sujeitas à falibilidade, variabilidade e circunstancialidade das promessas em geral, não farei outros comentários críticos sobre esse último critério de escolha de candidatos, porque - embora ele seja muito frequente e inclusive decida muita eleição por aí -, ele não é exatamente um critério político, e sim privado. E eu só estou preocupado em fazer um ajuizamento crítico dos critérios usados pelas pessoas que realmente querem fazer a melhor escolha política. Quem vota num candidato por causa das vantagens que pode ter com sua eleição simplesmente desistiu da política, ou nunca compreendeu o que ela significa. Por isso mesmo, nada do que eu disser, baseado em argumentos de civismo e democracia, vai convencer esse sujeito a fazer de outra forma, porque eu estaria apelando para uma parte da subjetividade da pessoa que ela ou nunca teve ou já perdeu. Em ambos os casos, seria inútil.

A meu ver, as dificuldades que levantei quanto aos três primeiros critérios tornam realmente difícil fazer uma boa escolha política. Não digo convencer-se de que fez uma boa escolha, o que é bem mais fácil: basta deixar-se levar pelos slogans, jingles e imagens da campanha do seu favorito, ignorar as do adversário e só conversar e ouvir argumentos de quem pensa igualzinho a você. A ignorância, a burrice, a teimosia e o fanatismo são a mais eficiente maneira de convencer-se de que se está escolhendo bem. Por isso, não falo de convencer-se de ter feito uma boa escolha, e sim de fazer uma escolha realmente boa, para além de toda propaganda, manipulação, desinformação e desonestidade. Isso me parece realmente difícil, praticamente impossível em qualquer democracia moderna, mas especialmente nas nossas democracias latino-americanas, tão imaturas historicamente, tão maltratadas politicamente, tão predispostas ao messianismo, ao coronelismo, ao assistencialismo, ao caudilhismo e à indiferença. Todas essas são tendências nocivas ao aprendizado e ao aperfeiçoamento de nossas democracias, mas nenhuma tão nociva quanto a indiferença. Porque desistir é simplesmente declarar a vitória da barbárie, e nenhum ser humano tem direito de fazer isso.

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