Debates Clássicos da Filosofia: Determinismo X Liberdade
Em nossa vida cotidiana costumamos nos ver como agentes livres e responsáveis. Fazemos certas escolhas e realizamos certas ações, mas estamos certos de que, se tivéssemos querido, poderíamos ter escolhido ou agido de outra maneira. É isso que nos torna responsáveis por essas escolhas e ações: Se poderíamos ter escolhido ou agido desta ou daquela maneira, mas escolhemos ou agimos desta maneira, então o mérito ou a culpa desta escolha ou ação cabe a nós. Não faria sentido louvar ou premiar a boa escolha ou ação de quem só podia ter escolhido ou agido daquela maneira; tampouco criticar ou punir a má escolha ou ação de quem, mesmo que quisesse, não a poderia ter evitado. A liberdade é, portanto, pressuposto da responsabilidade, e sem essas noções a representação habitual que fazemos de nossa vida moral se veria esvaziada de sentido. Essa representação de nós mesmos como livres se chama indeterminismo ou doutrina da liberdade.
Porém, com o advento da moderna visão de mundo científica, passamos a representar o mundo como uma totalidade regida por leis, em que tudo que acontece é efeito de uma causa anterior e causa de um efeito posterior. O mundo passa a ser visto, então, como um lugar de absoluta necessidade, não havendo espaço para a contingência. Dado certo conjunto de leis naturais e certo fato X, Y segue-se de X, W segue-se de Y, Z segue-se de W etc., de modo que cada fato dessa cadeia tinha necessariamente que ter acontecido como aconteceu, pois, para não ter acontecido, seria preciso ou que as leis naturais não tivessem agido ou que o fato antecendente não tivesse acontecido. Ora, se as leis naturais agem sempre e se o fato antecedente, dado o fato que o antecedeu, também tinha, por força daquelas leis, necessariamente que ter acontecido, então cada fato que acontece tinha, necessariamente, que ter acontecido. Essa representação do mundo como regido pela necessidade natural se chama determinismo ou doutrina da necessidade.
Diante dessa discrepância entre nossa representação de nós mesmos como livres (liberdade) e nossa representação do mundo como totalmente regido por leis (determinismo) é necessário dizer como essas duas doutrinas se relacionam entre si. Disso surgem duas posições, uma chamada incompatibilismo e a outra, compatibilismo.
O incompatibilismo é a tese segundo a qual liberdade e determinismo não são compatíveis, de modo que temos que optar ou por um ou por outro. Ora, se nos representamos como seres livres, mas representamos o mundo como uma totalidade regida por leis, segue-se que ou (1) estamos enganados em nos representar como livres, pois, sendo parte do mundo, somos também regidos por leis, de modo que nossas escolhas e ações, tais como todos os outros fatos no mundo, são fatos necessários, que não poderiam ter acontecido de modo diferente de como aconteceram, motivo por que não temos razão para supor que somos responsáveis por elas; ou (2) estamos enganados em representar o mundo como uma totalidade regida por leis, pois nós, mesmo sendo parte do mundo, temos escolhas e ações que fogem ao domínio das leis naturais e que são livremente realizadas, seja numa direção, seja na outra, como efeito de nossa vontade não coagida e não condicionada. Quer dizer: Ou tudo - incluindo nossas escolhas e ações - é regido por leis, e nesse caso não há liberdade; ou nem tudo é regido por leis - nossas escolhas e ações seriam livres -, e nesse caso não há determinismo.
O compatibilismo é a tese contrária, segundo a qual é possível que nossas escolhas e ações sejam regidas por leis naturais e sejam, ao mesmo tempo, livres e responsáveis. Para tornar determinismo e liberdade compatíveis entre si, o compatibilista geralmente abranda as duas doutrinas, dizendo, por exemplo, que o determinismo implica apenas que algo sofre o efeito de uma causa, mas não que seja determinado por essa causa de modo absoluto; e dizendo, por exemplo, que liberdade implica apenas que sejamos capazes de escolher livremente apesar das pressões naturais, e não na ausência delas. Dessa forma, se os seres humanos sofrerem influência de causas naturais, mas forem capazes de decidir livremente por suas escolhas e ações apesar dessa influência, isso seria uma prova de que as escolhas e ações humanas não são uma exceção ao determinismo (elas também sofrem influência das leis naturais), mas também não deixam de ser livres e responsáveis (porque tais leis são atuantes, mas não determinantes sobre a vontade). Usando esse tipo de estratégia, o compatibilista tenta provar que, no homem, determinismo e liberdade convivem pacificamente.
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