Dilma Rousseff e Marcela Temer



















O texto mais sóbrio e reflexivo que encontrei até agora sobre essas duas personagens femininas que polarizaram as atenções no último dia 1º de janeiro. Escrito pela minha amiga Mariana Feijó, 30 anos, jornalista amazonense, bela cabeça pensante amazônica.



Duas Faces do Feminino na Cerimônia Presidencial de Posse
Muito se tinha dito sobre a posse de Dilma Rousseff vir a ser um dia histórico para a mulher no Brasil. Não apenas o dia histórico em que uma mulher brasileira chegava ao mais alto cargo de poder de nossa República, mas também o dia histórico em que a imagem do Brasil para o mundo seria enfim representada pelo gênero da maioria de seus cidadãos: o feminino. Mas o enredo escrito pelo destino tinha uma surpresa guardada, uma bela surpresa chamada Marcela Temer. Marcela, cuja beleza e elegância a destacaram facilmente dos demais presentes à cerimônia e a tornaram assunto viral em blogs e microblogs, trouxe para o olhar do público outra face do feminino. Juntas no mesmo palco, Marcela e Dilma eram Afrodite e Atena, Psyche e Antígona: uma, a face bela e jovem da mulher que encanta e desperta admiração pelo seu corpo; a outra, a face confiante e realizada da mulher que comanda e desperta respeito pelo seu trabalho. E digo isso com toda a ressalva de quem, confessadamente, só ouviu falar de Marcela Temer nas últimas quarenta e oito horas. Falo apenas do que elas representavam ali, vistas juntas, uma muito próxima da outra, ambas associadas, de formas diferentes, ao poder e ambas comentadas, de forma diferente, no Brasil todo. Falo muito mais do "lugar" simbólico que Dilma e Marcela ocuparam durante a cerimônia de posse. É sobre esses dois "lugares" simbólicos que eu gostaria de falar.
Dilma Rousseff tem 63 anos, nasceu em Belo Horizonte, lutou em movimentos paramilitares durante a Ditadura Militar e ocupou vários cargos políticos antes de tornar-se, durante o Governo Lula, Ministra de Minas e Energias, Ministra Chefe da Casa Civil, "mãe do PAC" e chegar à Presidência da República. Marcela Tedeschi Araújo Temer tem 28 anos, nasceu em Paulínia, interior de São Paulo e foi Miss Paulínia e Vice Miss São Paulo antes de conhecer, namorar, noivar e desposar Michel Temer, agora Vice Presidente do Brasil. Ambas chegam ao Palácio do Planalto por vias muito diversas, com idades, carreiras e escolhas que as tornam candidatas a símbolos femininos contrapostos. Foi assim que as duas foram retratadas após a posse: Uma como forte, segura, realizada e promissora; a outra como jovem, bela, elegante e também promissora. Dilma desperta comparações com Margareth Thatcher, com Hillary Clinton, com Angela Merkl e com Cristina Kirchner. Marcela desperta comparações com Jacqueline Kennedy, com Evita Perón, com Michelle Obama e com Carla Bruni. Para uns, trata-se da oposição entre o feminino do passado, pré conquistas feministas, e feminino do futuro, produto daquelas conquistas. Para outros, trata-se da complementação de duas facetas necessárias da relação do feminino com o poder: A política precisa da mulher que lidera e da mulher que cativa, e nesse sentido Dilma e Marcela poderiam dar uma à outra aquilo que cada uma não é.
Tudo isso, repito, fica no campo do simbólico. Ainda não sabemos se essas duas personagens vão representar os papeis que o Brasil precipitadamente lhes atribuiu em função do juízo desinformado e estereotípico de sua imagem na mesma cena. Não diria sequer que estas são as expectativas provisórias, mas sim que estes são os rótulos que cada uma delas se encarregará de aceitar ou rejeitar durante sua convivência com os holofotes do poder. Mas uma coisa já é certa: Junto com o respeito e a admiração, precipitados ou não ainda veremos, já convivem as duas com a suspeita e a inveja que nunca deixa de acompanhar as mulheres bem sucedidas. Dilma convive desde a campanha com a sombra de ter sido uma invenção de Lula, um possível fantoche para a continuação de seu governo, alguém sem experiência administrativa e sem cacife político para eleger-se sequer Prefeita, quanto mais Presidenta - como ela quer ser chamada. Marcela, que passou a existir para o mundo há apenas dois dias, já convive desde agora com a acusação de ser apenas um rostinho bonito, uma miss que se aproveitou de sua beleza para fisgar um partido rico e muito mais velho, uma possível golpista e alpinista social que agora usará a imprensa para se autopromover em cima de sua aparência. Uma coisa que as duas fofocas têm em comum é que nenhuma delas assume que as mulheres em questão tenham valor em si mesmas. Dilma teria valor em função de Lula, e Marcela, em função de Temer. As duas fofocas são não apenas a manifestação dos velhos estereótipos machistas, mas são inclusive expressão da recusa dos homens (e pior, também das mulheres) de aceitarem a ideia de que este é um novo tempo para o feminino. É preciso vestir o novo com as fantasias do velho para que se faça de conta que tudo continua como sempre foi.
Mas não continua. A verdade é que a vitória de Dilma Rousseff não teria acontecido há dez anos nem mesmo com o prestígio eleitoral de Lula e com a mais bem articulada campanha de propaganda. Dilma venceu abrindo mais alguns passos numa longa estrada que muitas mulheres abriram antes, tornando esse momento possível. Sua posse foi a celebração das oportunidades abertas e dos limites desafiados para o feminino, o anúncio de que esse é um tempo em que o limite da mulher que você será não depende mais do fato de ser mulher, e sim do tipo de mulher que você quer ser. E isso é assim independentemente da qualidade do mandato de Dilma nesses próximos quatro anos. Outra verdade é que, ao contrário do que seria há trinta anos, a história de vida de Marcela não nos informa nada sobre ela. Não é mais verdade que misses são rostinhos bonitos com cabeças de vento. Não é mais verdade que mulheres jovens só se casam com homens mais velhos por causa de sua fama e fortuna. Não é mais verdade que a beleza e a juventude de uma mulher bem sucedida ainda nos permita ter alguma justificada suspeita sobre sua inteligência, seu talento, seu caráter. O ego machista, narcísico, tanto de homens quanto de mulheres, se sentiria de fato muito confortável se o mundo ainda fosse assim: preto e branco, do tipo ou beleza ou talento, ou poder ou feminilidade. Mas esse é o mundo que está ficando para trás. É o mundo de nossas avós, mas não será o de nossas netas. Estamos em plena transição, em plena redefinição do feminino, do que somos e do que queremos ser. Para Dilma e para Marcela, agora, tudo é possível, para além, muito além de todos os estereótipos do passado.

Comentários

Unknown disse…
Não sou uma pessoa que entende de política, talvez nem "capacidade" para discutir sobre o assunto, porém fiquei fascinada com o texto que postou... Parabéns pela escolha, parabéns para a autora.
Abraços, Priscila Giansante
Anônimo disse…
Obrigado, Priscila. Tenho certeza de que a Mariana agradece também.
enaravian disse…
Assim como a Priscila gostaria de parabenizá-lo pela escolha do texto. Sobre a Mariana Feijó o que posso dizer é que, assim como a Dilma, mulheres como ela me fazem sentir orgulho de ser mulher. Para nós mulheres é muito humilhante ser reduzida a sexualidade, a beleza e servidão dos homens. Infelizmente ainda estamos em guerra com o machismo, não é novidade que nossos salários são menores e por quê? Parece-me algo como “as mulheres são menos capazes”, como os negros e judeus? Pode parecer que o que aquilo de que estamos falando está ultrapassado, mas eu particularmente não consigo pensar isso. Não consigo porque eu não posso sair tranqüila sozinha pela noite comer um lanche, não posso ir ao cinema sozinha sem ser incomodada, e não posso não gostar do serviço de casa. Quando passei no vestibular e por isso teria que me mudar para longe da família um tio meu teve a capacidade de ir a minha casa e dizer aos meus pais que nunca deixaria uma filha dele ir estudar fora, pois eu traria um “presentinho” para casa. Certamente não sou a única mulher da nova geração que sofre, ainda, com esse tipo de absurdo. E é também por isso que mulheres que se deixam prestigiar por futilidades como a aparência e o simples mostrar-se sobre uma passarela me envergonham. Pois elas nutrem a desvalorização da mulher como indivíduo político, capaz e digno de mérito por contribuições socialmente importantes.

Desculpem o desabafo, abraço a todos.

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