Mea Culpa: Chaïm Perelman, o Direito e a Nova Retórica
Essa postagem consiste numa confissão de mea culpa.
Em 2009, ministrei um curso, na forma de Grupo de Estudos Temáticos, no CESUPA, cujo tema foram as Teorias da Argumentação Jurídica. Nesse curso, centrei minha abordagem nas teorias da argumentação de Chaïm Perelman, Robert Alexy e Neil McCormick e usei, além dos textos dos próprios autores, um texto de introdução a essas teorias, que foi a tradução portuguesa do excelente Las Razones del Derecho (1991), do jurista e filósofo do direito espanhol Manuel Atienza. Ora, o professor ovetense, na parte referente a Perelman, comete um erro muito comum: Ele apresenta a teoria geral da Nova Retórica, tal como celebremente apresentada no Traité de L'argumentation: La Nouvelle Réthorique (1958), doravante apenas Traité, não apenas como se ela se aplicasse na íntegra à argumentação jurídica, mas também como se a teoria da argumentação jurídica de Perelman consistisse apenas na aplicação ao discurso jurídico e judiciário das formas e esquemas de argumentação expostos no Traité. Ocorre que o próprio Perelman, que no Traité havia dito explicitamente que as formas do raciocínio judiciário tinham sido uma das bases em que se havia apoiado para a elaboração de sua Nova Retórica, afirma já na Introdução de seu Logique Juridique (1976) que a argumentação jurídica é um tipo especial de argumentação, que requereu dele próprio um trabalho novo de catalogação e de análise e que não poderia ser assimilada às formas e esquemas de argumentação aplicáveis aos demais campos. Seguindo na leitura da Introdução à Logique Juridique, vemos Perelman fornecer, no fim das contas, apenas três esquemas de argumentos tipicamente jurídicos, que são: o argumentum a simili, o argumentum a fortiori e o argumentum a contrario, os quais o pensador varsoviano agora relaciona muito mais com concepções do que o Direito é e de sua função do que com simples formas de argumentar identificáveis no discurso jurídico. Conclui-se daí que a teoria geral encontrada no Traité não se aplica, tout court, à argumentação jurídica e que a leitura da obra de 1958, sem a leitura adicional da de 1976, leva a uma concepção equivocada do que é a argumentação jurídica para Perelman. Pois foi justamente essa concepção equivocada que eu passei adiante em meu curso, pois, embora tivesse lido a Logique Juridique cerca de um ano antes, não tinha atentado suficientemente para a parte metodológica da Introdução da obra, de modo que me havia escapado a percepção do quanto as afirmações de 1958 estavam sendo submetidas à revisão crítica de um Perelman que agora havia se debruçado especificamente sobre as espinhosas questões da Filosofia do Direito. O fato de este que escreve ter errado na esteira de um grande especialista, que é Atienza, não serve de desculpa, porque, se é verdade que o autor assume responsabilidade pelo que escreve em sua obra, é verdade também que o professor que usa essa obra sem chamar atenção para seus erros assume a responsabilidade pelo que é dito em sala em proporção, se não maior, pelo menos igual à do autor. É essa responsabilidade que estou aqui assumindo publicamente. Peço desculpas a todos os alunos a quem passei essa mensagem equivocada e em especial a alguns de meus ex-alunos mais próximos, como Diego Mascarenhas, Cleyton Belmiro, Fernanda Costa, Ricardo Dib Taxi e Ernesto Boulhosa. Espero que pelo menos alguns deles possam ler essa mensagem e ser advertidos, ainda que tardiamente, do meu engano.
Em 2009, ministrei um curso, na forma de Grupo de Estudos Temáticos, no CESUPA, cujo tema foram as Teorias da Argumentação Jurídica. Nesse curso, centrei minha abordagem nas teorias da argumentação de Chaïm Perelman, Robert Alexy e Neil McCormick e usei, além dos textos dos próprios autores, um texto de introdução a essas teorias, que foi a tradução portuguesa do excelente Las Razones del Derecho (1991), do jurista e filósofo do direito espanhol Manuel Atienza. Ora, o professor ovetense, na parte referente a Perelman, comete um erro muito comum: Ele apresenta a teoria geral da Nova Retórica, tal como celebremente apresentada no Traité de L'argumentation: La Nouvelle Réthorique (1958), doravante apenas Traité, não apenas como se ela se aplicasse na íntegra à argumentação jurídica, mas também como se a teoria da argumentação jurídica de Perelman consistisse apenas na aplicação ao discurso jurídico e judiciário das formas e esquemas de argumentação expostos no Traité. Ocorre que o próprio Perelman, que no Traité havia dito explicitamente que as formas do raciocínio judiciário tinham sido uma das bases em que se havia apoiado para a elaboração de sua Nova Retórica, afirma já na Introdução de seu Logique Juridique (1976) que a argumentação jurídica é um tipo especial de argumentação, que requereu dele próprio um trabalho novo de catalogação e de análise e que não poderia ser assimilada às formas e esquemas de argumentação aplicáveis aos demais campos. Seguindo na leitura da Introdução à Logique Juridique, vemos Perelman fornecer, no fim das contas, apenas três esquemas de argumentos tipicamente jurídicos, que são: o argumentum a simili, o argumentum a fortiori e o argumentum a contrario, os quais o pensador varsoviano agora relaciona muito mais com concepções do que o Direito é e de sua função do que com simples formas de argumentar identificáveis no discurso jurídico. Conclui-se daí que a teoria geral encontrada no Traité não se aplica, tout court, à argumentação jurídica e que a leitura da obra de 1958, sem a leitura adicional da de 1976, leva a uma concepção equivocada do que é a argumentação jurídica para Perelman. Pois foi justamente essa concepção equivocada que eu passei adiante em meu curso, pois, embora tivesse lido a Logique Juridique cerca de um ano antes, não tinha atentado suficientemente para a parte metodológica da Introdução da obra, de modo que me havia escapado a percepção do quanto as afirmações de 1958 estavam sendo submetidas à revisão crítica de um Perelman que agora havia se debruçado especificamente sobre as espinhosas questões da Filosofia do Direito. O fato de este que escreve ter errado na esteira de um grande especialista, que é Atienza, não serve de desculpa, porque, se é verdade que o autor assume responsabilidade pelo que escreve em sua obra, é verdade também que o professor que usa essa obra sem chamar atenção para seus erros assume a responsabilidade pelo que é dito em sala em proporção, se não maior, pelo menos igual à do autor. É essa responsabilidade que estou aqui assumindo publicamente. Peço desculpas a todos os alunos a quem passei essa mensagem equivocada e em especial a alguns de meus ex-alunos mais próximos, como Diego Mascarenhas, Cleyton Belmiro, Fernanda Costa, Ricardo Dib Taxi e Ernesto Boulhosa. Espero que pelo menos alguns deles possam ler essa mensagem e ser advertidos, ainda que tardiamente, do meu engano.
Comentários
Sempre com a metodologia afiada. Então, o ponto é que a teoria de Perelman é mais rica do que a pressupomos no curso! Ela não seria apenas uma aplicação especial do argumento jurídico, mas sim de que ela aponto no sentido de que há argumentos tipicamente jurídico, mas que também é encontrado no discurso geral? Seria esta a ponderação? Se for isto (...) a minha percepção na época era a errada, mas hoje entendida como certa nesta sua postagem. Talvez o fato tenha ocorrido porque faltei excepcionalmente a aula de Perelman e já pensava de que a aplicação somente do discurso do direito aplicado no caso especial seria somente do Alexy. E na época posso afirmar este meu entendimento quando nós dois discutimos sobre a argumento a fortiori de que havia na peça jurídica sob o manto do tópico ad agumentando e de que também é perceptível no discurso geral o raciocínio aristotélico - não se você lembra desta conversa. Abs e obrigado.
Mas então, Perelman primeiro discute a argumentação em geral e 20 anos depois conclui que este estudo não se aplica da mesma forma à argumentação jurídica, certo? Daí escreve um livro especificamente para tratar deste assunto.
Esta teoria da argumentação jurídica de Perelman, segundo o 'Logique Juridique', parece ter bem menos repercussão entre os comentadores e especialistas, não é? Porque isso ocorre? Não apenas em suas aulas ou no Atienza, mas fala-se primordialmente do 'Tratado' quando menciona-se a teoria argumentativa de Perelman (no meio jurídico, em especial), sem menções aos seus estudos mais específicos no que se trata do Direito...
Mais uma vez obrigada! É inspirador vê-lo sempre se atualizando e estudando. Beijos!
De resto, fico contente que você se sinta estimulada mesmo diante da confissão de um erro cometido contra você, rsrs.