A Ética do Discurso de Habermas e a Tese da Única Resposta Moral Correta
Nessa postagem pretendo mostrar que a ética do discurso, embora sendo cognitivista, isto é, embora abraçando a tese de que existem respostas corretas para questões morais, o que, no cenário atual, dominado pelo ceticismo, relativismo e subjetivismo, já pode ser considerada uma tese ambiciosa, não implica, contudo, a tese ainda mais ambiciosa de que, para cada questão moral que se apresente, existe uma, e apenas uma, resposta correta. Para isso será necessário mostrar, primeiro, que a estrutura da ética do discurso é tal que não impede a existência de múltiplas respostas possíveis, às quais se possa, no entanto, atribuir igual estatuto de respostas corretas. Essa é, por assim dizer, a prova interna de minha hipótese, a prova de sua possibilidade no interior da ética do discurso. Contudo, isso não basta. É preciso mostrar, em segundo lugar, que não existe, do ponto de vista de qualquer ética cognitivista procedimental, um nexo necessário entre unicidade e correção da resposta a cada questão moral. Essa é, por assim dizer, a prova externa da tese ora defendida.
1 - Explicando a ética do discurso
A ética do discurso é, resumidamente, uma teoria segundo a qual, para cada questão moral que se possa levantar, a resposta correta seria aquela que, num discurso racional, poderia ser aprovada por todos os atingidos. Um discurso racional seria uma discussão em que todos os participantes estão engajados numa atividade de defender ou rejeitar pontos de vista com base em argumentos e de procurar cooperativamente a resposta correta. Num discurso racional, não se participa com o intuito de afirmar teimosamente as convicções e pontos de vista que cada um já tem, mas, ao contrário, se adota a postura de ouvir e aprender com os argumentos do outro e tentar formular uma resposta que seja, na maior medida possível, igualmente boa para todos. Nessa perspectiva, a ética do discurso não supõe que seja possível um consenso em assuntos morais porque já existe algo em comum entre todos os pontos de vista pré-reflexivos concorrentes dos participantes do discurso, mas sim porque o próprio discurso os põe numa situação de aprendizado reflexivo e de respeito mútuo na qual elementos diversos da posição prévia de cada um serão submetidos a revisão, criando, assim, espaço e oportunidade para a descoberta daquela resposta capaz de obter aprovação de todos os participantes quando estes tenham sido capazes de colocar-se nas posições uns dos outros e de aprenderem uns com os outros durante o próprio procedimento.
2 - Fornecendo a prova interna da tese ora proposta
A tese que proponho é de que, embora a ética do discurso esteja comprometida com o cognitivismo moral, isto é, com a tese de que existem respostas corretas para as questões morais (como vimos, seriam exatamente aquelas que, ao longo de um discurso racional, fossem aprovadas por todos os atingidos), ela não está comprometida com a tese mais ambiciosa de que, para cada questão moral que se possa levantar, existe uma, e apenas uma, resposta correta. Para provar essa tese, preciso primeiro mostrar que a ética do discurso é compatível com a ideia de múltiplas respostas corretas, sem por isso enfraquecer seu compromisso com o cognitivismo moral.
Como vimos na explicação da ética do discurso, ela é uma teoria procedimental, isto é, ela toma como correta a resposta que resulta de certo procedimento (no caso, o discurso racional) ao qual se atribui a capacidade de gerar resultados imparciais e racionalmente aceitáveis. Portanto também, o cognitivismo da ética do discurso não supõe, de maneira alguma, a preexistência de respostas morais corretas em relação às quais o discurso racional serviria apenas de método de descoberta. Essa concepção estaria comprometida com um realismo moral, isto é, com a tese de que existem respostas morais corretas independentes de nossas crenças a respeito, que é simplesmente incompatível com o caráter procedimental da ética do discurso. Pois, nesta teoria, o discurso racional não é o método de descoberta de uma resposta moral correta preexistente, mas sim um procedimento de aprendizado dos participantes uns com os outros e de construção de uma solução consensual a partir de tentativas e revisões, de argumentos e contra-argumentos etc. Não há, assim, resposta moral correta preexistente ao discurso racional.
Nem existe, por outro lado, um único curso ou direção que o discurso racional pode tomar. Quero provar isso ao extrair as consequências adequadas da tese da falibilidade do discurso, isto é, do caráter perpetuamente aberto à revisão dos resultados da discussão racional, à luz de novas informações ou argumentos. Ora, assumir que o discurso racional é falível, quer dizer, que o resultado a que ele chegou alguma vez, por mais bem fundado que tenha sido naquela circunstância, poderia ainda assim estar errado, por ter deixado de levar em conta alguma informação ou argumento decisivo que, à época, ainda não era conhecido ou não tinha recebido a importância devida, é o mesmo que reconhecer que, se, à época daquele primeiro resultado, aquela informação ou argumento já tivesse sido levado em conta, o resultado teria sido outro. Essa assunção contrafactual, isto é, baseada na hipótese de que algo tivesse sido diferente do que de fato foi, mostra que, no decorrer do discurso, a consideração ou não de certa informação e a ocorrência ou não de certo argumento podem afetar decisivamente o resultado final do procedimento. A conclusão que quero retirar disso é que, estando o discurso perpetuamente sujeito à contingência das informações e argumentos efetivamente levados em conta, ele está também perpetuamente sujeito a chegar a certa conclusão X, racionalmente aceitável, sob o pano de fundo de conclusões Y, Z etc., também racionalmente aceitáveis, às quais poderia igualmente ter chegado caso as informações e argumentos que levou em conta tivessem sido levemente diversos daqueles que de fato ocorreram. Por conseguinte, a multiplicidade das respostas racionalmente aceitáveis resulta da própria dependência do discurso em relação às informações e argumentos efetivamente levados em conta, os quais o abrem para cursos múltiplos e contingentes de discussão e, por isso mesmo, para múltiplos resultados possíveis a que os participantes poderiam ter chegado.
Espero ter mostrado, assim, que a ética do discurso, pela própria estrutura procedimental em que aposta, precisa necessariamente endossar pelo menos a possibilidade de múltiplas respostas corretas para cada uma das questões morais que se propõe solucionar.
3 - Fornecendo a prova externa da tese ora proposta
Mas isso não é tudo. Poderia ser que a ética do discurso, ao endossar, como quis mostrar que ela faz, a tese de múltiplas respostas corretas para cada questão moral, acabasse por comprometer a força de sua reivindicação cognitivista. Isso seria assim se houvesse alguma coisa na tese cognitivista, isto é, na tese de que existem respostas corretas para questões morais, que implicasse necessariamente a tese mais ambiciosa da única resposta correta para cada questão. Pois poderia ser que, havendo múltiplas respostas corretas possíveis, se concluisse que nenhuma delas tem, portanto, o estatuto de verdadeira resposta correta. Em vista disso, pretendo mostrar, agora, que a tese do cognitivismo moral e da multiplicidade de respostas corretas não são, de modo algum, incompatíveis entre si.
Para isso, a primeiro providência é, sem dúvida, recordar que "correto", em teorias procedimentais, não tem o sentido de conforme ou correspondente a alguma resposta moral prévia. Pelo contrário, teorias procedimentais rejeitam a ideia de respostas morais prévias. Assim, para tais teorias, "corretas" são as respostas que resultam do procedimento adequado, e ponto final. Ora, uma vez que o procedimento em questão fosse tal que permitisse mais que um resultado final, a consequência seria que esse procedimento permitiria, assim, mais que uma resposta correta para cada questão que fosse examinada. Uma vez que o discurso racional, dada sua dependência de informações e argumentos contingentes, é do tipo que se abre para mais que um resultado possível, ele é, por conseguinte, do tipo que permite mais que uma resposta correta. Logo, no que se refere às respostas para questões morais, entre as ideias de "múltiplas" e de "corretas" não haveria nada de contraditório ou incompatível.
Isso, contudo, ainda não encerra a discussão. Pois, embora sendo adequado que, para uma teoria que toma como "correto" o que resulta do procedimento e que abraça um procedimento que permite mais que um resultado final possível, seria perfeitamente concebível a combinação de cognitivismo moral e multiplicidade de respostas corretas, ainda se poderia levantar a suspeita adicional de que um procedimento que permite mais que uma resposta correta não pode ser considerado, de modo algum, um procedimento adequado para uma teoria que se pretenda cognitivista. O proponente de tal crítica poderia alegar que, para um procedimento ser adequado para uma teoria moral cognitivista, ele tem que ser tal que permita uma, e apenas uma, resposta correta para cada questão moral que lhe seja posta. Há, contudo, dois motivos pelos quais se deveria descartar essa crítica.
O primeiro é que ela confunde uma exigência do plano normativo, que é a validade das respostas morais, isto é, que possam ser consideradas racionalmente aceitáveis as respostas oferecidas para uma questão moral particular, com uma exigência diversa, pertencente ao plano subjetivo da certeza e pragmático da estabilidade, de que não exista mais que uma resposta que possa reivindicar o estatuto de resposta correta. A ética do discurso está fortemente comprometida com a exigência de validade, mas não está de modo algum vinculada às exigências de certeza ou de estabilidade. Mais que isso, estas últimas exigências não precisam estar presentes numa teoria moral para que ela seja cognitivamente aceitável. Esse é, aliás, um dos traços que distingue uma teoria discursiva da moral de uma teoria discursiva, por exemplo, do Direito. Este último, sim, devido ao seu compromisso com a igualdade de tratamento de casos iguais ao longo do tempo e com a segurança jurídica das decisões e das instituições, precisa ser capaz de gerar respostas que sejam as únicas corretas em dado momento e em dada comunidade. Mas tal exigência não se aplica de modo algum ao discurso moral, exatamente porque este não é um sistema de ação, mas apenas uma forma de saber cultural, o qual não tem impacto imediato sobre o funcionamento das instituições e, por isso mesmo, não tem que assumir o formato adequado a elas. Pelo contrário, pode gerar perpetuamente aqueles pontos de vista a partir dos quais se possa questionar moralmente os compromissos institucionais com a certeza e com a estabilidade.
O segundo motivo pelo qual se deveria descartar aquela crítica é que um procedimento que gerasse para cada questão uma, e apenas uma, resposta correta teria que ter um reivindicação cognitivista ou tão fraca a ponto de ser relativista ou tão forte a ponto de ser absolutista. Ambas as consequências resultam da renúncia ao falibilismo, pois, como espero já haver demonstrado, assumir o falibilismo do procedimento é assumir, ao mesmo tempo, a multiplicidade das possíveis respostas corretas. Para se negar essa última, é preciso renunciar ao falibilismo e conceber um procedimento que gera resultados infalíveis. Ora, há dois sentidos em que os resultados do procedimento poderiam ser considerados infalíveis. O primeiro é relativista e consiste em conceber que cada performance do procedimento gera resultados que, à luz daquela performance, eram os únicos a que se poderia ter chegado, de modo que cada resposta correta alcançada por meio do procedimento seria, na verdade, "absolutamente correta em Pn", sendo Pn certa performance particular do procedimento. Uma primeira resposta, alcançada por meio e uma primeira performance P1 do procedimento, seria considerada "absolutamente correta em P1". Quando, numa segunda performance P2, o procedimento, levando em conta novas informações e argumentos que P1 não tinha levado em conta, chegasse a uma nova resposta, tal resposta seria "absolutamente correta em P2". A resposta absolutamente correta em P1 permaneceria, nesse caso, infalível à luz as condições de P1, sendo P2 uma performance do procedimento inteiramente distinta, que não deveria ser vista, de modo algum, como revisando o resultado de P1, mas sim como produzindo outro resultado independente. Dessa forma, cada resultado n de uma performance Pn seria sempre absolutamente correto e não sujeito a revisão. Mas defender essa hipótese dependeria de provar que, por um lado, as informações e argumentos levados em conta em P1 não poderiam de modo algum ter sido outros (o que implicaria em negar a contingência do discurso e defender algum tipo inaceitável de necessitarismo do curso de uma discussão racional) e provar que, por outro lado, as informações e argumentos levados em conta em P2 não teriam, caso tivessem sido levados em conta em P1, alterado em nada o resultado da primeira performance do procedimento (o que implicaria em negar a dependência do resultado final em relação às informações e argumentos levados em conta em cada caso e defender algum tipo igualmente inaceitável de necessitarismo do resultado final da discussão racional). Portanto, tal hipótese está longe de ser formulável em alguma versão razoável.
O segundo sentido em que os resultados do procedimento poderiam ser considerados infalíveis seria se uma única performance do procedimento já fosse capaz de reunir todas as informações e argumentos relevantes para a solução de certa questão moral, de tal modo que nenhuma performance posterior do mesmo procedimento em relação à mesma questão moral pudesse chegar a nenhuma conclusão distinta da que chegou a primeira. Seria dizer que, para toda performance Pn do procedimento, P(n + 1) = Pn. Ora, como tal hipótese é completamente incompatível com o caráter limitado, situado e contingente de qualquer performance real do procedimento, a única forma de sustentar essa versão absolutista seria manter não apenas o procedimento, mas também sua performance, num nível absolutamente ideal. Uma performance ideal do procedimento poderia reunir todas as informações e argumentos relevantes para a solução de certa questão moral, não deixando espaço para nenhuma contribuição revisiva posterior ao resultado alcançado naquela ocasião. Mas tal performance ideal, na medida em que é impossível para seres humanos reais em situações reais, perderia todo valor prático e heurístico para a solução de questões morais no mundo em que realmente vivemos. Nesse caso, tal performance só manteria seu caráter infalível ao custo de perder seu caráter prático para o exame de respostas morais. Seria, nesse caso, uma infalibiliade estéril e muda, incapaz de qualquer manifestação ou intervenção no mundo. Por isso, também essa segunda forma de assegurar a infalibilidade do procedimento não pode ser considerada aceitável como teoria moral.
Conclui-se disso que o procedimento tem que ser concebido como falível, o que, como já vimos, implica na possibilidade de múltiplas respostas corretas. Isso mostra, segundo pretendo, não apenas que a multiplicidade de respostas corretas é compatível com o cognitivismo de uma teoria moral procedimental, mas, bem além disso, mostra também que é a tese da única resposta moral correta que tem severas dificuldades de ser compatibilizada com uma concepção procedimental razoável, a qual, pelo menos toda vez que o procedimento que prescreve seja discursivo e pretenda manter seu valor heurístico e prático para o exame de questões morais no mundo real, precisa necessariamente admitir o falibilismo dos resultados concretos do referido procedimento.
1 - Explicando a ética do discurso
A ética do discurso é, resumidamente, uma teoria segundo a qual, para cada questão moral que se possa levantar, a resposta correta seria aquela que, num discurso racional, poderia ser aprovada por todos os atingidos. Um discurso racional seria uma discussão em que todos os participantes estão engajados numa atividade de defender ou rejeitar pontos de vista com base em argumentos e de procurar cooperativamente a resposta correta. Num discurso racional, não se participa com o intuito de afirmar teimosamente as convicções e pontos de vista que cada um já tem, mas, ao contrário, se adota a postura de ouvir e aprender com os argumentos do outro e tentar formular uma resposta que seja, na maior medida possível, igualmente boa para todos. Nessa perspectiva, a ética do discurso não supõe que seja possível um consenso em assuntos morais porque já existe algo em comum entre todos os pontos de vista pré-reflexivos concorrentes dos participantes do discurso, mas sim porque o próprio discurso os põe numa situação de aprendizado reflexivo e de respeito mútuo na qual elementos diversos da posição prévia de cada um serão submetidos a revisão, criando, assim, espaço e oportunidade para a descoberta daquela resposta capaz de obter aprovação de todos os participantes quando estes tenham sido capazes de colocar-se nas posições uns dos outros e de aprenderem uns com os outros durante o próprio procedimento.
2 - Fornecendo a prova interna da tese ora proposta
A tese que proponho é de que, embora a ética do discurso esteja comprometida com o cognitivismo moral, isto é, com a tese de que existem respostas corretas para as questões morais (como vimos, seriam exatamente aquelas que, ao longo de um discurso racional, fossem aprovadas por todos os atingidos), ela não está comprometida com a tese mais ambiciosa de que, para cada questão moral que se possa levantar, existe uma, e apenas uma, resposta correta. Para provar essa tese, preciso primeiro mostrar que a ética do discurso é compatível com a ideia de múltiplas respostas corretas, sem por isso enfraquecer seu compromisso com o cognitivismo moral.
Como vimos na explicação da ética do discurso, ela é uma teoria procedimental, isto é, ela toma como correta a resposta que resulta de certo procedimento (no caso, o discurso racional) ao qual se atribui a capacidade de gerar resultados imparciais e racionalmente aceitáveis. Portanto também, o cognitivismo da ética do discurso não supõe, de maneira alguma, a preexistência de respostas morais corretas em relação às quais o discurso racional serviria apenas de método de descoberta. Essa concepção estaria comprometida com um realismo moral, isto é, com a tese de que existem respostas morais corretas independentes de nossas crenças a respeito, que é simplesmente incompatível com o caráter procedimental da ética do discurso. Pois, nesta teoria, o discurso racional não é o método de descoberta de uma resposta moral correta preexistente, mas sim um procedimento de aprendizado dos participantes uns com os outros e de construção de uma solução consensual a partir de tentativas e revisões, de argumentos e contra-argumentos etc. Não há, assim, resposta moral correta preexistente ao discurso racional.
Nem existe, por outro lado, um único curso ou direção que o discurso racional pode tomar. Quero provar isso ao extrair as consequências adequadas da tese da falibilidade do discurso, isto é, do caráter perpetuamente aberto à revisão dos resultados da discussão racional, à luz de novas informações ou argumentos. Ora, assumir que o discurso racional é falível, quer dizer, que o resultado a que ele chegou alguma vez, por mais bem fundado que tenha sido naquela circunstância, poderia ainda assim estar errado, por ter deixado de levar em conta alguma informação ou argumento decisivo que, à época, ainda não era conhecido ou não tinha recebido a importância devida, é o mesmo que reconhecer que, se, à época daquele primeiro resultado, aquela informação ou argumento já tivesse sido levado em conta, o resultado teria sido outro. Essa assunção contrafactual, isto é, baseada na hipótese de que algo tivesse sido diferente do que de fato foi, mostra que, no decorrer do discurso, a consideração ou não de certa informação e a ocorrência ou não de certo argumento podem afetar decisivamente o resultado final do procedimento. A conclusão que quero retirar disso é que, estando o discurso perpetuamente sujeito à contingência das informações e argumentos efetivamente levados em conta, ele está também perpetuamente sujeito a chegar a certa conclusão X, racionalmente aceitável, sob o pano de fundo de conclusões Y, Z etc., também racionalmente aceitáveis, às quais poderia igualmente ter chegado caso as informações e argumentos que levou em conta tivessem sido levemente diversos daqueles que de fato ocorreram. Por conseguinte, a multiplicidade das respostas racionalmente aceitáveis resulta da própria dependência do discurso em relação às informações e argumentos efetivamente levados em conta, os quais o abrem para cursos múltiplos e contingentes de discussão e, por isso mesmo, para múltiplos resultados possíveis a que os participantes poderiam ter chegado.
Espero ter mostrado, assim, que a ética do discurso, pela própria estrutura procedimental em que aposta, precisa necessariamente endossar pelo menos a possibilidade de múltiplas respostas corretas para cada uma das questões morais que se propõe solucionar.
3 - Fornecendo a prova externa da tese ora proposta
Mas isso não é tudo. Poderia ser que a ética do discurso, ao endossar, como quis mostrar que ela faz, a tese de múltiplas respostas corretas para cada questão moral, acabasse por comprometer a força de sua reivindicação cognitivista. Isso seria assim se houvesse alguma coisa na tese cognitivista, isto é, na tese de que existem respostas corretas para questões morais, que implicasse necessariamente a tese mais ambiciosa da única resposta correta para cada questão. Pois poderia ser que, havendo múltiplas respostas corretas possíveis, se concluisse que nenhuma delas tem, portanto, o estatuto de verdadeira resposta correta. Em vista disso, pretendo mostrar, agora, que a tese do cognitivismo moral e da multiplicidade de respostas corretas não são, de modo algum, incompatíveis entre si.
Para isso, a primeiro providência é, sem dúvida, recordar que "correto", em teorias procedimentais, não tem o sentido de conforme ou correspondente a alguma resposta moral prévia. Pelo contrário, teorias procedimentais rejeitam a ideia de respostas morais prévias. Assim, para tais teorias, "corretas" são as respostas que resultam do procedimento adequado, e ponto final. Ora, uma vez que o procedimento em questão fosse tal que permitisse mais que um resultado final, a consequência seria que esse procedimento permitiria, assim, mais que uma resposta correta para cada questão que fosse examinada. Uma vez que o discurso racional, dada sua dependência de informações e argumentos contingentes, é do tipo que se abre para mais que um resultado possível, ele é, por conseguinte, do tipo que permite mais que uma resposta correta. Logo, no que se refere às respostas para questões morais, entre as ideias de "múltiplas" e de "corretas" não haveria nada de contraditório ou incompatível.
Isso, contudo, ainda não encerra a discussão. Pois, embora sendo adequado que, para uma teoria que toma como "correto" o que resulta do procedimento e que abraça um procedimento que permite mais que um resultado final possível, seria perfeitamente concebível a combinação de cognitivismo moral e multiplicidade de respostas corretas, ainda se poderia levantar a suspeita adicional de que um procedimento que permite mais que uma resposta correta não pode ser considerado, de modo algum, um procedimento adequado para uma teoria que se pretenda cognitivista. O proponente de tal crítica poderia alegar que, para um procedimento ser adequado para uma teoria moral cognitivista, ele tem que ser tal que permita uma, e apenas uma, resposta correta para cada questão moral que lhe seja posta. Há, contudo, dois motivos pelos quais se deveria descartar essa crítica.
O primeiro é que ela confunde uma exigência do plano normativo, que é a validade das respostas morais, isto é, que possam ser consideradas racionalmente aceitáveis as respostas oferecidas para uma questão moral particular, com uma exigência diversa, pertencente ao plano subjetivo da certeza e pragmático da estabilidade, de que não exista mais que uma resposta que possa reivindicar o estatuto de resposta correta. A ética do discurso está fortemente comprometida com a exigência de validade, mas não está de modo algum vinculada às exigências de certeza ou de estabilidade. Mais que isso, estas últimas exigências não precisam estar presentes numa teoria moral para que ela seja cognitivamente aceitável. Esse é, aliás, um dos traços que distingue uma teoria discursiva da moral de uma teoria discursiva, por exemplo, do Direito. Este último, sim, devido ao seu compromisso com a igualdade de tratamento de casos iguais ao longo do tempo e com a segurança jurídica das decisões e das instituições, precisa ser capaz de gerar respostas que sejam as únicas corretas em dado momento e em dada comunidade. Mas tal exigência não se aplica de modo algum ao discurso moral, exatamente porque este não é um sistema de ação, mas apenas uma forma de saber cultural, o qual não tem impacto imediato sobre o funcionamento das instituições e, por isso mesmo, não tem que assumir o formato adequado a elas. Pelo contrário, pode gerar perpetuamente aqueles pontos de vista a partir dos quais se possa questionar moralmente os compromissos institucionais com a certeza e com a estabilidade.
O segundo motivo pelo qual se deveria descartar aquela crítica é que um procedimento que gerasse para cada questão uma, e apenas uma, resposta correta teria que ter um reivindicação cognitivista ou tão fraca a ponto de ser relativista ou tão forte a ponto de ser absolutista. Ambas as consequências resultam da renúncia ao falibilismo, pois, como espero já haver demonstrado, assumir o falibilismo do procedimento é assumir, ao mesmo tempo, a multiplicidade das possíveis respostas corretas. Para se negar essa última, é preciso renunciar ao falibilismo e conceber um procedimento que gera resultados infalíveis. Ora, há dois sentidos em que os resultados do procedimento poderiam ser considerados infalíveis. O primeiro é relativista e consiste em conceber que cada performance do procedimento gera resultados que, à luz daquela performance, eram os únicos a que se poderia ter chegado, de modo que cada resposta correta alcançada por meio do procedimento seria, na verdade, "absolutamente correta em Pn", sendo Pn certa performance particular do procedimento. Uma primeira resposta, alcançada por meio e uma primeira performance P1 do procedimento, seria considerada "absolutamente correta em P1". Quando, numa segunda performance P2, o procedimento, levando em conta novas informações e argumentos que P1 não tinha levado em conta, chegasse a uma nova resposta, tal resposta seria "absolutamente correta em P2". A resposta absolutamente correta em P1 permaneceria, nesse caso, infalível à luz as condições de P1, sendo P2 uma performance do procedimento inteiramente distinta, que não deveria ser vista, de modo algum, como revisando o resultado de P1, mas sim como produzindo outro resultado independente. Dessa forma, cada resultado n de uma performance Pn seria sempre absolutamente correto e não sujeito a revisão. Mas defender essa hipótese dependeria de provar que, por um lado, as informações e argumentos levados em conta em P1 não poderiam de modo algum ter sido outros (o que implicaria em negar a contingência do discurso e defender algum tipo inaceitável de necessitarismo do curso de uma discussão racional) e provar que, por outro lado, as informações e argumentos levados em conta em P2 não teriam, caso tivessem sido levados em conta em P1, alterado em nada o resultado da primeira performance do procedimento (o que implicaria em negar a dependência do resultado final em relação às informações e argumentos levados em conta em cada caso e defender algum tipo igualmente inaceitável de necessitarismo do resultado final da discussão racional). Portanto, tal hipótese está longe de ser formulável em alguma versão razoável.
O segundo sentido em que os resultados do procedimento poderiam ser considerados infalíveis seria se uma única performance do procedimento já fosse capaz de reunir todas as informações e argumentos relevantes para a solução de certa questão moral, de tal modo que nenhuma performance posterior do mesmo procedimento em relação à mesma questão moral pudesse chegar a nenhuma conclusão distinta da que chegou a primeira. Seria dizer que, para toda performance Pn do procedimento, P(n + 1) = Pn. Ora, como tal hipótese é completamente incompatível com o caráter limitado, situado e contingente de qualquer performance real do procedimento, a única forma de sustentar essa versão absolutista seria manter não apenas o procedimento, mas também sua performance, num nível absolutamente ideal. Uma performance ideal do procedimento poderia reunir todas as informações e argumentos relevantes para a solução de certa questão moral, não deixando espaço para nenhuma contribuição revisiva posterior ao resultado alcançado naquela ocasião. Mas tal performance ideal, na medida em que é impossível para seres humanos reais em situações reais, perderia todo valor prático e heurístico para a solução de questões morais no mundo em que realmente vivemos. Nesse caso, tal performance só manteria seu caráter infalível ao custo de perder seu caráter prático para o exame de respostas morais. Seria, nesse caso, uma infalibiliade estéril e muda, incapaz de qualquer manifestação ou intervenção no mundo. Por isso, também essa segunda forma de assegurar a infalibilidade do procedimento não pode ser considerada aceitável como teoria moral.
Conclui-se disso que o procedimento tem que ser concebido como falível, o que, como já vimos, implica na possibilidade de múltiplas respostas corretas. Isso mostra, segundo pretendo, não apenas que a multiplicidade de respostas corretas é compatível com o cognitivismo de uma teoria moral procedimental, mas, bem além disso, mostra também que é a tese da única resposta moral correta que tem severas dificuldades de ser compatibilizada com uma concepção procedimental razoável, a qual, pelo menos toda vez que o procedimento que prescreve seja discursivo e pretenda manter seu valor heurístico e prático para o exame de questões morais no mundo real, precisa necessariamente admitir o falibilismo dos resultados concretos do referido procedimento.
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