Comunicação do Prof. Frederick Schauer - Resumo e lista de sugestões bibliográficas sobre o tema

A comunicação a que pude assistir do Prof. Frederick Schauer no IVR foi sobre a dimensão normativa do positivismo jurídico e já tive oportunidade de falar dela numa das postagens do meu “Diário do IVR”. Contudo, como várias pessoas que conheço se disseram curiosas a respeito do conteúdo da comunicação e como tal conteúdo pode ser de interesse para um grande número de pessoas, vou reproduzir abaixo de modo sucinto o que foi apresentado na referida comunicação. Vocês terão que me perdoar por qualquer lacuna ou erro, porque se trata de uma reprodução feita de memória, baseada apenas na estrutura do argumento que montei mentalmente enquanto o Prof. Schauer, que por aqui nos estimulavam a chamar apenas de “Fred”, fazia sua impressionante exposição oral.

Frederick Schauer
Em primeiro lugar, é necessário distinguir duas variantes de adesão ao positivismo jurídico, uma descritiva e outra normativa. O positivismo jurídico na variante descritiva é uma teoria sobre como o direito é, quer dizer, é basicamente a teoria de que as normas jurídicas são produzidas e podem ser identificadas a partir do que nos informam certas fontes autorizadas (tese das fontes sociais) e de que, quaisquer que sejam as relações entre estas normas e as normas morais, ser uma norma moralmente válida nunca é condição suficiente para ser também juridicamente válida (tese da separabilidade). Já o positivismo jurídico na variante normativa é uma teoria sobre como o direito deve ser produzido, aplicado e estudado. Seu objetivo não é descrever, e sim recomendar. Os que advogam o positivismo normativo geralmente consideram que um regime adequado de proteção da liberdade individual e de governo democrático popular exige que as leis sejam públicas, simples, diretas, claras, aplicadas de modo direto, constante, coerente, previsível e facilmente criticável. Neste sentido, o positivismo (tanto no sentido de aplicar o direito de modo positivista quanto no sentido de ter um direito passível de ser aplicado deste modo) seria condição necessária para a liberdade e a democracia.

Em segundo lugar, o positivismo normativo tem uma longa história que remonta a Jeremy Bentham. Como se sabe, Bentham se autocompreendia como um reformador social, interessado em que o direito fosse mais racional tanto no conteúdo que contemplava (afastando a superstição, abrindo mão da tradição, se baseando em conhecimento e cálculo e mirando apenas o bem da comunidade concebido em termos utilitaristas) quanto no modo como haveria de ser formulado, conhecido e aplicado (abrindo mão de terminologia técnica, sendo redigido em linguagem comum e direta, sendo ensinado a todos os cidadãos, podendo ser manejado com competência e previsibilidade por qualquer sujeito racional etc.), donde resultava um tipo de positivismo jurídico que não se oferecia como apenas a melhor descrição do que o direito é, mas sim como a recomendação mais racional de como ele deveria passar a ser em nome da proteção da liberdade e da democracia.

Em terceiro lugar, a dimensão normativa do positivismo jurídico pode ser distinguida em modalidades distintas. Na primeira modalidade, o positivismo jurídico faz recomendações ao legislador, no sentido de que elabore as leis de maneira clara, direta, simples e fácil de ser entendida e aplicada. Esta modalidade se enxerga apenas em Bentham. Na segunda modalidade, o positivismo jurídico faz recomendações ao jurista aplicador do direito, no sentido de que interprete o direito de modo mais próximo do seu sentido comum e de que não modifique ou module o conteúdo das normas de acordo com suas convicções morais. Esta modalidade está presente, de modo difuso e implícito, em vários teóricos do positivismo analítico, inclusive em H. L. A. Hart, se considerarmos não tanto a obra “O conceito de direito” (que é o grande manifesto da abordagem descritiva), mas seus escritos no debate contra Lon L. Fuller nos anos 50, quando, para contrapor-se à defesa por Fuller da criação e do avanço, Hart privilegiava a certeza e o controle. Finalmente, na terceira modalidade, o positivismo jurídico faz recomendações ao filósofo do direito, no sentido de que, ao definir o que é o direito e ao conceber modos de interpretação e aplicação do direito, mantenha o compromisso com a possibilidade de que o direito desempenhe seu importante papel para a proteção da liberdade e para a promoção da democracia. Isto implica que uma teoria positivista normativa seria compatível com vários tipos de teorias positivistas descritivas, desde que todas elas descrevessem o direito em função do papel que o positivismo normativo lhe assinala para a promoção de certo ideal social.

Para os que querem se informar melhor sobre o positivismo normativo, recomendo lerem as seguintes obras de defensores atuais desta teoria:

CAMPBELL, Tom. The Legal Theory of Ethical Positivism. (Dartmouth, 1996)
WALDRON, Jeremy. The Dignity of Legislation. (Cambridge, 1999)
MACCORMICK, Neil. Institutions of Law. (Oxford, 2008)
SCHAUER, Frederick. Playing by the Rules. (Clarendon, 1993)
LLEWELLYN, Karl and SCHAUER, Frederick. The Theory of Rules. (Chicago, 2011)

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