Distinguindo Cinco Posições Metaéticas: Ceticismo, Não-Cognitivismo, Subjetivismo, Teoria do Erro e Relativismo

Hoje vamos nos engajar um pouco em definições metaéticas. De modo simplificado, metaética é a parte da ética que investiga sobre se enunciados morais são objetivos ou subjetivos, se podem ou não ser verdadeiros ou falsos, quais são suas condições de verificação e a que em última instância se referem. Entre os que duvidam das verdades morais objetivas e absolutas, convém distinguir cinco posições: ceticismo, não-cognitivismo, subjetivismo, teoria do erro e relativismo. As pessoas costumam confundir estas posições umas com as outras e chamar uma pelo nome de outra, ou atribuir a uma delas crenças que são próprias de outra. Vou explicar brevemente cada uma delas e depois fornecer uma chave geral para diferenciar entre elas.

O cético moral acredita que enunciados morais podem ser verdadeiros ou falsos, e sua verdade ou falsidade poderia ser conhecida caso as condições de verificação para tal estivessem disponíveis; ocorre, porém, que tais condições não estão disponíveis, de modo que é impossível saber se qualquer enunciado moral é verdadeiro ou falso.

O não-cognitivista acredita que enunciados morais não podem ser verdadeiros ou falsos porque eles não visam descrever, indicar ou representar coisa alguma, eles apenas expressam certas atitudes, sentimentos ou decisões que, como tais, não são passíveis nem de verdade nem de falsidade. Ele não é cético, porque não nega que estejam disponíveis as condições de verificação dos enunciados morais, e sim que os enunciados morais tenham qualquer tipo de condições de verificação, uma vez que não visam à verdade ou falsidade. Também não é subjetivista, porque não considera que os estados mentais constituem o valor de verdade dos enunciados morais, e sim que, por expressarem estados mentais ou atitudes, eles não têm qualquer valor de verdade.

O subjetivista acredita que enunciados morais podem ser verdadeiros ou falsos, e sua verdade ou falsidade pode ser conhecida, mas esta verdade ou falsidade tem a ver com certos estados mentais ou disposições subjetivas dos indivíduos em relação a certos fatos ou situações. Não é que, por corresponderem a estados mentais e atitudes, os enunciados morais não sejam verdadeiros ou falsos, e sim que são verdadeiros ou falsos precisamente em função desta correspondência. Ele não é não cognitivista, porque acredita que os enunciados morais visam à verdade, nem é cético, porque acredita que é possível saber se são verdadeiros ou falsos.

O teórico do erro toma os enunciados morais como se referindo a fatos, relações e entidades não existentes. Enquanto não-cognitivistas e subjetivistas são antirrealistas, no sentido de que negam que enunciados morais se refiram a fatos morais objetivos, porque os enunciados morais corresponderiam a estados mentais e atitudes subjetivas, os teóricos do erro, assim como os céticos, são realistas morais, ou seja, acreditam que enunciados morais se referem a fatos morais objetivos, mas, enquanto os céticos negam que estejam disponíveis as condições de verificação, os teóricos do erro negam que existam os fatos, relações e entidades a que os enunciados morais se referem. Não são as condições de verificação que estão ausentes; pelo contrário, elas estão presentes e, quando submetemos os enunciados morais a tal verificação, eles não passam por ela, porque os fatos, relações e entidades a que eles se referem estão ausentes do mundo. Enquanto o cético trata a moral como o agnóstico trata enunciados sobre a existência de Deus (pode ser que sejam verdadeiros, pode ser que sejam falsos, mas não temos como saber ao certo), o teórico do erro trata a moral como o cientista trata enunciados sobre a existência de unicórnios e dragões (dado nosso conhecimento do que existe, podemos dizer com certeza que são falsos).

Já o relativista acredita que a verdade ou falsidade de um enunciado moral varia de acordo com algum referencial. Os relativistas, portanto, não são não cognitivistas, porque acreditam que os enunciados morais podem ser verdadeiros ou falsos; não são subjetivistas, porque não consideram que eles correspondam a estados mentais ou disposições subjetivas; não são teóricos do erro, porque não consideram que eles se referem a fatos, relações e entidades não existentes; e não são céticos, porque não consideram que não estão disponíveis as condições de verificação para enunciados morais. Eles consideram que enunciados morais são passíveis de verdade e falsidade, suas condições de verificação estão presentes, estas condições não têm a ver com estados mentais e disposições subjetivas, mas aquilo com que elas têm a ver, embora sendo objetivo, varia segundo algum referencial. A modalidade mais comum de relativismo moral é o relativismo cultural. Neste caso, o referencial em questão são os valores de cada contexto cultural. Portanto, no caso do relativista cultural, existe verdade moral objetiva, ela apenas é variável conforme o contexto cultural.

Então, para distinguir entre eles, é preciso fazer a seguinte sequência de questões. Primeira questão: O teórico em questão acredita que enunciados morais são passíveis de verdade ou falsidade? Se a resposta for não, ele é um não cognitivista. Se a resposta for sim, segunda questão: Ele acredita que as condições de verificação de enunciados morais estão presentes? Se a resposta for não, ele é um cético. Se a resposta for sim, terceira questão: Ele acredita que estas condições de verificação têm a ver com estados mentais e disposições subjetivas? Se a resposta for sim, ele é um subjetivista. Se a resposta for não, quarta questão: Ele acredita que estas condições de verificação têm a ver com fatos, relações e entidades que, após exame, se provam não existentes? Se a resposta for sim, ele é um teórico do erro. Se a resposta for não, quinta e última questão: Ele acredita que estas condições de verificação têm a ver com algum referencial objetivo, porém variável de caso para caso ou de contexto para contexto? Se a resposta for sim, ele é um relativista moral.

Nota: No que toca ao relativismo, preferi uma definição introdutória e ampla, que pode, contudo, ser ampla demais. Afinal, dizer que a verdade de um enunciado moral é relativa a algum referencial é muito vago. Por exemplo, é verdadeiro ou falso que “João deve ajudar Pedro”? Ora, alguém que não é um relativista (Kant, por exemplo) poderia dizer que isso depende de se Pedro precisa de ajuda e quer ser ajudado e se João tem conhecimento disso e pode ajudá-lo. Portanto, há certos fatos dos quais a verdade do enunciado depende, o que o torna, em certo sentido, relativo. Contudo, isso não faz de Kant um relativista, sendo Kant, na verdade, um cognitivista realista absolutista. Outro problema da definição ampla é que ela parece abarcar o subjetivismo. Afinal, um subjetivista poderia dizer que a verdade de um enunciado como “Mentir é errado” depende de se a pessoa que o formula tem forte rejeição afetiva contra a mentira. Isso tornaria o enunciado relativo, e o referencial em função do qual ele seria relativo seria precisamente o estado mental do falante. Para dar conta destas questões, seria preciso, em primeiro lugar, definir o relativista como alguém que considera que a verdade ou falsidade de enunciados morais depende de referenciais objetivos ou pelo menos intersubjetivos (portanto, excluindo estados mentais e disposições, que ficariam apenas para o subjetivista). Depois, para dar conta do caso ilustrado sobre Kant, seria preciso dizer que o enunciado moral cuja verdade ou falsidade será levado em conta tem que estar formulado contendo todas as circunstâncias objetivas relevantes. Neste caso, diríamos agora, não é que, para Kant, “João deve ajudar Pedro” seja um enunciado moral cuja verdade é relativa, e sim que não está formulado de modo completo. Já “João deve ajudar Pedro toda vez que Pedro precisar de ajuda e a quiser e que João souber disso e puder ajudar” estaria formulado de modo completo, de modo que Kant poderia dizer que sua verdade é absoluta. Já o relativista, mesmo diante de um enunciado moral assim formulado, insistiria que sua verdade é relativa. Um relativista cultural, por exemplo, diria que, a depender do contexto cultural em que João e Pedro se encontram, um ajudar o outro pode ser moralmente obrigatório, moralmente permitido, moralmente indiferente ou até mesmo moralmente proibido.

Comentários

Malarauco disse…
Você poderia detalhar os termos "cognitivista" "realista" e "absolutista" utilizados para qualificar a posição kantiana? Obrigado e parabéns pelo blog.
Kant é cognitivista porque acredita que enunciados morais podem ser verdadeiros ou falsos, isto é, são portadores de valor de verdade. Ele é realista porque acredita que existem fatos morais, isto é, que existe algum fato objetivo externo à mente que os torna verdadeiros ou falsos (no caso, a conformidade com a lei moral). E é absolutista porque, se os enunciados forem construídos de modo completo, Kant não acredita que seu valor de verdade possa mudar de acordo com o contexto ou com a história, permanecendo os verdadeiros verdadeiros em todos os contextos, e os falsos falsos em todos os contextos. Abraço!
Malarauco disse…
Minha dúvida foi sanada. Obrigado pela atenção!
Luana disse…
Este comentário foi removido pelo autor.

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