"Métodos" de Interpretação (1): "Método" Literal
Introdução
a) Método Literal
b) Método Intencionalista
c) Método Sistemático
d) Método Histórico
e) Método Sociológico
f) Método Teleológico
Nesta série de oito postagens apresento e explico cada um dos seis "métodos", com exemplos didáticos que os ilustram, argumentos persuasivos em seu favor e críticas que os problematizam.
Reservo para as duas últimas postagens uma discussão sobre o status de "métodos" (razão por que a expressão aparecerá nas postagens sempre entre aspas) e sobre as razões por que, na Hermenêutica Jurídica Contemporânea, aquela lista deixou de ser considerada conclusiva.
Nesta primeira das oito postagens, tratarei apenas sobre o "método" literal.
"Método" Literal
Também chamado de textual, gramatical, lógico ou lexical, este "método" leva em conta: (1) os exatos termos usados no texto da norma, com o sentido comum que geralmente se atribui a eles; (2) a exata construção, ordem ou disposição utilizada nas orações da norma, incluindo pontuação, coordenação, subordinação e omissão; e (3) implicações ou consequências lógicas que decorrem do que a norma diz, do modo como o diz ou do que deixa de fora.
Cada um destes aspectos merece uma explicação a partir de um exemplo.
Exemplo de Referência 1
Considere a seguinte norma hipotética:
O profissional de saúde só poderá atender, entrevistar, examinar ou operar paciente menor de idade na presença de um de seus pais ou responsáveis e de um enfermeiro, técnico, auxiliar, psicólogo ou assistente social.
Há várias questões práticas que a norma hipotética acima pode suscitar. O que conta como profissional de saúde? Qual a diferença entre atender, entrevistar, examinar ou operar? O que conta como paciente menor de idade? Um menor emancipado está dentro ou fora? Um idoso incapaz está dentro ou fora? Como se devem interpretar os "e's" e "ou's" usados na enumeração de condições? Sempre como cumulativos e alternativos, ou nem sempre?
A norma se aplica, por exemplo, a paramédicos numa cena de acidente ou numa ambulância? Impede que uma criança ou um adolescente seja socorrido no hospital em caso de emergência se seus responsáveis ainda não tiverem chegado ou se os profissionais de acompanhamento não estiverem disponíveis? Dispensa a presença de um segundo acompanhante se um dos pais estiver presente e trabalhar no hospital com uma das profissões listadas? Impede que um enfermeiro e um assistente social acompanhem ao mesmo tempo a consulta ao paciente menor de idade?
Vejamos o que o "método" literal responde.
Termos e Sentidos Comuns
A questão sobre profissionais de saúde, sobre atender, entrevistar, examinar ou operar e sobre pacientes menores de idade pode ser respondida tendo em vista o que estes termos geralmente significam.
O chamado "sentido comum" dos termos é o sentido mais ou menos acontextual que um falante competente e bem informado atribuiria a eles se fosse perguntado. Embora tal sentido admita variação conforme classe, idade, escolaridade e experiência pessoal, algumas respostas preliminares certamente se apresentariam.
No sentido comum, profissionais de saúde incluem médicos, psicólogos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e paramédicos. Então, sim, no "método" literal isolado, a norma se aplica aos paramédicos numa cena de acidente ou numa ambulância.
No sentido comum, atender é dar qualquer tipo de atenção ou resposta; entrevistar é fazer uma série de perguntas e ouvir e registrar as respostas; examinar é fazer qualquer inspeção, observação ou teste; e operar é fazer uma intervenção cirúrgica, quer seja breve ou longa, pequena ou grande, de rotina ou especial, de baixo ou alto risco. Então, sim, no "método" literal, a norma impede que uma criança ou um adolescente seja socorrido no hospital (o que normalmente envolverá as quatro interações mencionadas), mesmo em caso de emergência, se seus responsáveis não tiverem chegado ou se os profissionais de acompanhamento não estiverem disponíveis.
No sentido comum, pacientes menores de idade envolvem indivíduos com idade entre 0 e 17 anos. Então, sim, no "método" literal, menores emancipados estão dentro e idosos incapazes estão fora.
Construções, Disposições e Conectivos
Várias das questões formuladas dizem respeito ao uso do termo "só", à ordem dos termos enumerados e ao sentido dos conectivos "e" e "ou".
O problema com o termo "só" diz respeito à construção da oração.
A forma como uma oração está construída pode ter impacto direto sobre seu significado. Dizer, por exemplo, "Maria, com sua irmã, buscou Pedro" ou dizer "Maria buscou Pedro, com sua irmã", embora contendo aparentemente os mesmos termos, afeta tanto de que irmã se está falando, quanto o papel desta irmã na atividade de buscar Pedro.
Como é fácil perceber, na norma hipotética sob exame, o termo "só", no sentido restritivo de "exclusivamente", tem consequências práticas substantivas para como segui-la. A depender de qual das condições enunciadas ele restringe, uma ou outra, ou mesmo todas, podem se tornar indispensáveis para autorizar o cuidado de saúde a pacientes menores de idade.
Uma primeira possibilidade é que "só" se refira a "poderá", querendo dizer que ele só poderá atender, mas não atenderá, só poderá entrevistar, mas não entrevistará etc. Este sentido, contudo, por ser bastante irrazoável enquanto política de saúde, pode ser facilmente descartado.
Uma segunda possibilidade é que "só" se refira a "atender, entrevistar, examinar ou operar", restringindo o cuidado de saúde a estas quatro interações e proibindo qualquer outra. Este sentido, contudo, além de também soar irrazoável, tornaria inútil o restante da oração, que fala dos que precisam estar presentes e parece carregar a ênfase principal do que a norma quer impor.
Uma terceira possibilidade é que "só" se refira a "na presença de", nomeando em seguida quem são aqueles cuja presença é requerida e proibindo que o cuidado de saúde a menores de idade ocorra sem tal presença assegurada. Este parece ser o único sentido razoável com que entender o texto da norma, embora os outros dois, no nível literal, sejam igualmente possíveis. (O que significa que a escolha entre eles é, pelo menos parcialmente, influenciada por critérios distintos da mera literalidade.)
Já o problema da ordem dos termos diz respeito à disposição da oração.
Na fala e na escrita, é comum mencionar primeiro o item principal da lista e em seguida os demais, em ordem decrescente de importância ou prioridade. Dizer, por exemplo, que "Saí com meu amigo e minha namorada para assistir a um filme" e dizer, em vez disso, que "Saí com minha namorada e meu amigo para assistir a um filme" não comunicam a mesma coisa sobre qual companhia era a principal e quem teve mais seu gosto e suas conveniências levadas em conta na escolha do filme, da data e hora da sessão e do local do cinema.
Quando aplicada à interpretação da norma, esta preocupação gera questões práticas.
Faz diferença, por exemplo, que "pais" seja listado antes de "responsáveis"? Devemos dar importância a que "enfermeiro" apareça antes de "assistente social"? É significativo que "pais ou responsáveis" venha primeiro que "enfermeiro, técnico, auxiliar, psicólogo ou assistente social"? Indica, por exemplo, que, havendo mais que uma possibilidade do mesmo rol, os que são mencionados primeiro devem ter prioridade? Implica que, não havendo o primeiro termo da alternativa, o segundo se torna, então, irrelevante?
A resposta padrão do "método" literal é que, não havendo na oração indicativo em favor da importância equivalente, presume-se que ordem de menção indica ordem de importância, tirando desta presunção, sempre que necessário, as consequências práticas correspondentes. O que significa que, sim, deve-se dar preferência ao termo citado antes e, não, a ausência do primeiro termo do par não torna a do segundo irrelevante, mas a torna insuficiente para cumprir a condição estipulada.
Por fim, o problema dos termos "e" e "ou" diz respeito aos conectivos da oração.
Conectivos como "e" e "ou" podem fazer grande diferença para o sentido final da oração de que participam. "Vá ao mercado e compre manteiga ou margarina" é um pedido diferente de "Vá ao mercado e compre manteiga e margarina". O primeiro pede que se compre manteiga, ou, se esta tiver terminado, ou estiver cara demais, ou só houver de marcas imprestáveis, ou se esta for, por alguma razão, a preferência do comprador, que se compre, então, em vez de manteiga, margarina. É um pedido alternativo. O segundo pede que se comprem ambas, juntas, com alguma preferência pela manteiga, mas com clara determinação pela compra conjunta. É um pedido cumulativo. Que a pessoa a quem o pedido foi endereçado volte do mercado trazendo apenas manteiga não exigirá explicação nem suscitará cobrança no primeiro caso, mas quase certamente o fará no segundo.
No caso de "ou", este tem reconhecidamente dois sentidos diversos: "A ou B" com "ou" inclusivo significa "ou A, ou B, ou os dois", enquanto "A ou B" com "ou" exclusivo significa "ou A, ou B, mas não os dois". No pedido acima, devido a razões práticas, e não linguísticas, se entende o "ou" de "manteiga ou margarina" como exclusivo. Comprar os dois seria descumprir os termos do pedido. Mas nas normas, ao limitar a interpretação a razões linguísticas, o "ou" se presume em regra como inclusivo, pois este é que é usado na maioria das vezes. Se o texto da norma quiser determinar que o "ou" que emprega é exclusivo, deve acrescer a expressão "mas não os dois", ou outra equivalente, ao final da enumeração.
Por isso, valem as regras de que, no "método" literal, se presume o "e" como cumulativo e o "ou" como alternativo; mas o "ou", sem acréscimo de "mas não os dois" ou de outra expressão equivalente, se presume como inclusivo, e não exclusivo.
No caso da norma examinada, há questões práticas ligadas ao sentido dos conectivos.
A lista de interações: "atender, entrevistar, examinar ou operar", ligado por um "ou" que se presume inclusivo, indica que a condição que é estipulada em seguida se aplica tanto para o caso do cuidado de saúde que tenha apenas uma dessas interações quanto para o que reúna várias ou mesmo todas elas. (O uso de "e" em vez de "ou" aqui revelaria má técnica legislativa, porque provocaria justamente a dúvida que o "ou" inclusivo afasta de antemão.)
"Pais ou responsáveis", por exemplo, dá a entender que a presença de um dispensa a do outro. O mesmo se aplica, a princípio, a "enfermeiro, técnico, auxiliar, psicólogo ou assistente social". Contudo, como o "ou" se presume inclusivo, e não exclusivo, nada impede que mais que um dos termos de cada lista separada por "ou" esteja presente ao mesmo tempo ao cuidado médico.
Mas fica claro que o conectivo "e", que liga o primeiro ao segundo rol de pessoas, impede que, por exemplo, a presença de um enfermeiro e de um psicólogo juntos dispense a presença dos pais ou responsáveis. É preciso preencher ambas as listas de pessoas ao mesmo tempo.
Para além de "e's" e "ou's", outros conectivos podem ser tão ou mais importantes para a derivação de consequências práticas. Conectivos como "inclusive" e "exceto", "bem como" e "mas", "se" e "quando", "somente se" e "a não ser que" etc. podem fazer toda diferença entre legalidade e ilegalidade da conduta e, consequentemente, entre quem tem e quem não tem razão numa disputa.
Relações e Inferências Lógicas
Por fim, algumas questões práticas serão dependentes de relações e inferências lógicas que o intérprete pode fazer à luz do que está e do que não está no texto.
É preciso ter cuidado para que, no limite do possível, "lógico", "coerente", "usual" e "prático" não se confundam entre si, visto que, enquanto o primeiro está ligado por excelência ao "método" literal, os demais se ajustam melhor, respectivamente, aos "métodos" sistemático, sociológico e teleológico de interpretação de normas.
Digamos que a criança chega ao hospital vítima de um acidente de carro em que seus pais acabaram de morrer. Deve-se exigir, de acordo com nossa norma hipotética, a presença dos pais ou responsáveis para prestar-lhe socorro?
A resposta de que, tendo morrido os pais e não tendo sido ainda nomeados novos responsáveis, tal exigência deve ser afastada pode parecer "lógica", mas não decorre logicamente do que diz a norma, e sim se apresenta como sensata ou razoável diante dos fins que a norma visa alcançar (no caso, a segurança e saúde da criança). Trata-se de uma conclusão prática, e não lógica, do tipo que se obtém pelo uso do "método" teleológico, e não do literal.
Já a resposta de que, em casos deste tipo, se costuma socorrer o paciente primeiro, presumindo temporariamente o consentimento dos responsáveis, e consultar estes últimos depois, para saber se têm objeção ou reclamação a fazer, também pode parecer "lógica". Mas, na medida em que recorre ao que geralmente se faz, é na verdade "usual". Seu uso na interpretação da norma requereria o "método" sociológico.
Por fim, a resposta de que há, na verdade, outras normas que, para casos deste tipo ou similares, autorizam o Ministério Público, o Conselho Tutelar ou, na falta destes, um assistente social a autorizar, em nome e no interesse da criança, que ela seja socorrida tampouco é "lógica", e sim "coerente" com outras partes do mesmo ordenamento jurídico. Ao recorrer ao que dizem outras normas, tal resposta se aproxima mais dos resultados do "método" sistemático.
E qual seria, então, a resposta "lógica"?
A resposta lógica seria que, uma vez que a norma não prevê tal exceção, ela se aplica, em princípio, como regra geral. Como regra geral, a falta de presença dos pais ou responsáveis impede o atendimento. A norma não diz que ausência dos pais ou responsáveis por morte dos mesmos é um caso excepcional ou que atendimento de emergência, com risco iminente de morte, é um caso excepcional. Ela apenas se omite sobre isso, abrangendo, por omissão, o caso extraordinário como se ordinário fosse. Que esta resposta seria absurda e inaceitável está fora de questão, mas se deve notar que qualquer objeção que se levante contra ela não se baseia na literalidade da norma interpretada.
Mas nem sempre a resposta lógica será tão absurda ou odiosa.
Se a questão fosse, por exemplo, se há preferência entre pai e mãe ou se o psicólogo a que se refere a norma precisa ser um do hospital ou precisa ser um que já faça o tratamento do menor, a resposta "lógica" nos dois casos seria que não. Como a norma diz "pais", sem distinguir entre pai e mãe, nem colocar um à frente do outro, presume-se que ela os trata em igual condição, sendo legalmente indiferente qual dos dois acompanhará o cuidado médico. (Uma interpretação teleológica da norma talvez recomendasse dar preferência ao membro parental com que a criança se sinta mais segura ou prefira que a acompanhe, mas isto não decorre logicamente da norma.) Da mesma forma, como a norma não especifica de que psicólogo se trata, presume-se que seja qualquer um, não havendo diferença nem preferência por que seja um do hospital ou que já trate o menor. (Uma interpretação sistemática da norma talvez concluísse que precisa ser o psicólogo do hospital, se, por exemplo, tal critério for aplicado a outras normas da mesma lei ou mesmo para outros profissionais, como enfermeiros, técnicos e auxiliares, citados no mesmo dispositivo, mas, novamente, nada disso é decorrência lógica do que diz a norma em questão.)
Argumentos em Favor do "Método" Literal
Mas nem sempre a resposta lógica será tão absurda ou odiosa.
Se a questão fosse, por exemplo, se há preferência entre pai e mãe ou se o psicólogo a que se refere a norma precisa ser um do hospital ou precisa ser um que já faça o tratamento do menor, a resposta "lógica" nos dois casos seria que não. Como a norma diz "pais", sem distinguir entre pai e mãe, nem colocar um à frente do outro, presume-se que ela os trata em igual condição, sendo legalmente indiferente qual dos dois acompanhará o cuidado médico. (Uma interpretação teleológica da norma talvez recomendasse dar preferência ao membro parental com que a criança se sinta mais segura ou prefira que a acompanhe, mas isto não decorre logicamente da norma.) Da mesma forma, como a norma não especifica de que psicólogo se trata, presume-se que seja qualquer um, não havendo diferença nem preferência por que seja um do hospital ou que já trate o menor. (Uma interpretação sistemática da norma talvez concluísse que precisa ser o psicólogo do hospital, se, por exemplo, tal critério for aplicado a outras normas da mesma lei ou mesmo para outros profissionais, como enfermeiros, técnicos e auxiliares, citados no mesmo dispositivo, mas, novamente, nada disso é decorrência lógica do que diz a norma em questão.)
Argumentos em Favor do "Método" Literal
Ao considerarmos os argumentos que geralmente são utilizados em favor do "método" literal, devemos separá-los em dois tipos: Os argumentos em favor de seu uso preferencial em relação aos outros "métodos" (posição que podemos chamar de Textualismo Preferencial ou Fraco) e os argumentos em favor do seu uso exclusivo, deixando de lado qualquer outro método (posição que podemos chamar de Textualismo Estrito ou Forte).
Sendo uma posição mais razoável e intuitiva, o Textualismo Preferencial ou Fraco (que se encontra, entre outros, em MacCormick, no Alexy da "Teoria da Argumentação Jurídica", em Schauer, no Waldron de "Law and Disagreement" e até mesmo no Dworkin do Cap. 9 de "O Império do Direito" e no Finnis dos ensaios tópicos sobre Direito) conta com vários argumentos em seu favor.
Primeiro, o texto, com suas exatas palavras, construções, disposições, conectivos, relações e inferências lógicas, é a melhor representação da decisão legislativa. O respeito ao texto é, na verdade, a consequência direta do respeito pela supremacia legislativa, o que significa que, na ordem democrática representativa, é respeito pela própria democracia.
Segundo, o texto representa a melhor garantia de uniformidade, estabilidade, previsibilidade e segurança da decisão final por parte do jurisdicionado cujo interesse está em jogo. Se os juízes se ativerem ao mesmo texto, torna-se mais provável que tomem todos decisões que coincidam não só umas com as outras mas também com a previsão do destinatário.
Terceiro, o texto oferece a melhor garantia contra o abuso do poder judiciário e a violação da separação de poderes. Como o judiciário, enquanto poder técnico, concurso e não eleito, tem por função aplicar normas que já existem, e não trocá-las por normas novas de sua autoria, ater-se ao texto parece ser a melhor chance de evitar ativismo abusivo.
Por estas razões, segundo o Textualismo Preferencial ou Fraco, a menos que a literalidade do texto leve, no caso concreto, a algum resultado absurdo, inaceitável, problemático ou danoso, se deveria, no possível conflito entre "método" literal e qualquer dos outros "métodos de interpretação", preferir o resultado interpretativo a que se tenha chegado pelo "método" literal.
Já o Textualismo Estrito ou Forte (do tipo que ocorre só raramente em autores como os franceses da Escola da Exegese ou como o Shapiro de "Legality") recorre aos mesmos três argumentos, mas precisa defender que considerações de supremacia legislativa, de segurança jurídica e separação de poderes sempre superam qualquer consideração em contrário, em quaisquer casos.
No nosso exemplo, um textualista estrito ou forte não hesitaria em aplicar a norma para o caso dos paramédicos socorrendo na cena do acidente ou na ambulância. Não hesitaria em mandar esperar a chegada dos pais ou dos outros acompanhantes antes de um atendimento de emergência. Não hesitaria em correr o risco da morte da criança cujos pais já tinham falecido.
Argumentos Contrários ao "Método" Literal
Sendo uma posição mais razoável e intuitiva, o Textualismo Preferencial ou Fraco (que se encontra, entre outros, em MacCormick, no Alexy da "Teoria da Argumentação Jurídica", em Schauer, no Waldron de "Law and Disagreement" e até mesmo no Dworkin do Cap. 9 de "O Império do Direito" e no Finnis dos ensaios tópicos sobre Direito) conta com vários argumentos em seu favor.
Primeiro, o texto, com suas exatas palavras, construções, disposições, conectivos, relações e inferências lógicas, é a melhor representação da decisão legislativa. O respeito ao texto é, na verdade, a consequência direta do respeito pela supremacia legislativa, o que significa que, na ordem democrática representativa, é respeito pela própria democracia.
Segundo, o texto representa a melhor garantia de uniformidade, estabilidade, previsibilidade e segurança da decisão final por parte do jurisdicionado cujo interesse está em jogo. Se os juízes se ativerem ao mesmo texto, torna-se mais provável que tomem todos decisões que coincidam não só umas com as outras mas também com a previsão do destinatário.
Terceiro, o texto oferece a melhor garantia contra o abuso do poder judiciário e a violação da separação de poderes. Como o judiciário, enquanto poder técnico, concurso e não eleito, tem por função aplicar normas que já existem, e não trocá-las por normas novas de sua autoria, ater-se ao texto parece ser a melhor chance de evitar ativismo abusivo.
Por estas razões, segundo o Textualismo Preferencial ou Fraco, a menos que a literalidade do texto leve, no caso concreto, a algum resultado absurdo, inaceitável, problemático ou danoso, se deveria, no possível conflito entre "método" literal e qualquer dos outros "métodos de interpretação", preferir o resultado interpretativo a que se tenha chegado pelo "método" literal.
Já o Textualismo Estrito ou Forte (do tipo que ocorre só raramente em autores como os franceses da Escola da Exegese ou como o Shapiro de "Legality") recorre aos mesmos três argumentos, mas precisa defender que considerações de supremacia legislativa, de segurança jurídica e separação de poderes sempre superam qualquer consideração em contrário, em quaisquer casos.
No nosso exemplo, um textualista estrito ou forte não hesitaria em aplicar a norma para o caso dos paramédicos socorrendo na cena do acidente ou na ambulância. Não hesitaria em mandar esperar a chegada dos pais ou dos outros acompanhantes antes de um atendimento de emergência. Não hesitaria em correr o risco da morte da criança cujos pais já tinham falecido.
Argumentos Contrários ao "Método" Literal
Aqui também devemos distinguir entre argumentos contra o Textualismo Estrito ou Forte e argumentos contra o Textualismo Preferencial ou Fraco.
Contra o Textualismo Estrito ou Forte, isto é, defendendo que, quando a interpretação literal levar a resultados absurdos, inaceitáveis, problemáticos ou danosos, deve-se dar preferência a algum outro "método" de interpretação, os argumentos são os seguintes.
Primeiro, os legisladores, por previdentes e cuidadosos que sejam, não são capazes de antecipar e incluir no texto da norma, na forma de regra geral ou de exceção, todos os casos concretos que podem ocorrer, com suas respectivas soluções mais adequadas. Abraçar o Textualismo Estrito ou Forte significaria ater-se aos casos que os legisladores puderam prever, forçando os demais casos a um tratamento que, além de poder ser injusto ou absurdo, só ficticiamente corresponde à vontade do legislador e, portanto, só ficticiamente honra a supremacia legislativa.
Segundo, se o que se quer é uniformidade, estabilidade, previsibilidade e segurança da decisão, aplicar a norma ao pé da letra pode ser ineficiente para tais fins. Afinal, o que o destinatário espera do judiciário é uma aplicação razoável da norma. Aplicações absurdas, inaceitáveis, problemáticas e danosas serão sempre uma surpresa negativa para o prejudicado, a não ser que se tornem injustiças reiteradas - as quais não constituem um ideal de segurança pelo qual valha a pena lutar.
Terceiro, a separação de poderes, enquanto dispositivo republicano, visa à contenção da tirania, impedindo, no caso do judiciário, que este substitua a vontade do legislador pela sua própria, protegendo, assim, os interesses dos destinatários. Mas, como, dado o primeiro argumento, os casos não previstos não estão cobertos pela vontade do legislador e, dado o segundo argumento, os interesses dos destinatários serão mais bem servidos por conclusões não literais, então, não há na não-literalidade qualquer tirania, apenas ajuste da jurisdição aos diversos fins do Direito.
Um famoso argumento contra o Textualismo Estrito ou Forte, o argumento do erro tipográfico, diz: Se o legislador aprova um texto X (por exemplo, "Fica proibida a rinha de cães"), mas o Diário Oficial publica o texto X' (por exemplo, "Não fica proibida a rinha de cães"), com um erro tipográfico que resulta em prescrição diversa ou mesmo oposta à de X, qual dos dois textos, X ou X', deve ser aplicado? Se, por um lado, o textualista estrito ou forte responde que é X, abre exceção à radicalidade de seu textualismo; se, por outro lado, responde que é X', mostra que seu verdadeiro senhor não é o legislador, e sim o tipógrafo, ou até, no limite, o mero acaso cego.
Já contra o Textualismo Preferencial ou Fraco, isto é, defendendo que, mesmo quando o resultado da literalidade estiver dentro do aceitável e razoável, pode haver boas razões para dar preferência ao resultado de algum outro "método" de interpretação, os argumentos variam conforme o "método" não literal que se pretenda defender.
A imperfeição da linguagem para expressar a vontade do legislador costuma ser invocada em favor do "método" intencionalista, assim como a igualdade e uniformidade de tratamento em favor do sistemático. A vinculação da linguagem a seu contexto original e a mudança dos valores com o passar do tempo são argumentos reiterados em favor, respectivamente, dos "métodos" histórico e sociológico. E, finalmente, o caráter instrumental do Direito, como meio imperfeito para alcançar fins que são mais importantes e valiosos que ele, que exige calibramento e revisão em função destes fins, é o argumento padrão em favor do "método" teleológico.
Mas estes argumentos teremos oportunidade de examinar melhor nas postagens que tratem sobre os outros cinco "métodos" de interpretação.
Referências
Obras que representam o ponto de vista da Hermenêutica Jurídica Tradicional:
BETTI, Emilio. Teoria geral da interpretação jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica Jurídica. Brasília: Editora RT, 2001.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica Jurídica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
Contra o Textualismo Estrito ou Forte, isto é, defendendo que, quando a interpretação literal levar a resultados absurdos, inaceitáveis, problemáticos ou danosos, deve-se dar preferência a algum outro "método" de interpretação, os argumentos são os seguintes.
Primeiro, os legisladores, por previdentes e cuidadosos que sejam, não são capazes de antecipar e incluir no texto da norma, na forma de regra geral ou de exceção, todos os casos concretos que podem ocorrer, com suas respectivas soluções mais adequadas. Abraçar o Textualismo Estrito ou Forte significaria ater-se aos casos que os legisladores puderam prever, forçando os demais casos a um tratamento que, além de poder ser injusto ou absurdo, só ficticiamente corresponde à vontade do legislador e, portanto, só ficticiamente honra a supremacia legislativa.
Segundo, se o que se quer é uniformidade, estabilidade, previsibilidade e segurança da decisão, aplicar a norma ao pé da letra pode ser ineficiente para tais fins. Afinal, o que o destinatário espera do judiciário é uma aplicação razoável da norma. Aplicações absurdas, inaceitáveis, problemáticas e danosas serão sempre uma surpresa negativa para o prejudicado, a não ser que se tornem injustiças reiteradas - as quais não constituem um ideal de segurança pelo qual valha a pena lutar.
Terceiro, a separação de poderes, enquanto dispositivo republicano, visa à contenção da tirania, impedindo, no caso do judiciário, que este substitua a vontade do legislador pela sua própria, protegendo, assim, os interesses dos destinatários. Mas, como, dado o primeiro argumento, os casos não previstos não estão cobertos pela vontade do legislador e, dado o segundo argumento, os interesses dos destinatários serão mais bem servidos por conclusões não literais, então, não há na não-literalidade qualquer tirania, apenas ajuste da jurisdição aos diversos fins do Direito.
Um famoso argumento contra o Textualismo Estrito ou Forte, o argumento do erro tipográfico, diz: Se o legislador aprova um texto X (por exemplo, "Fica proibida a rinha de cães"), mas o Diário Oficial publica o texto X' (por exemplo, "Não fica proibida a rinha de cães"), com um erro tipográfico que resulta em prescrição diversa ou mesmo oposta à de X, qual dos dois textos, X ou X', deve ser aplicado? Se, por um lado, o textualista estrito ou forte responde que é X, abre exceção à radicalidade de seu textualismo; se, por outro lado, responde que é X', mostra que seu verdadeiro senhor não é o legislador, e sim o tipógrafo, ou até, no limite, o mero acaso cego.
Já contra o Textualismo Preferencial ou Fraco, isto é, defendendo que, mesmo quando o resultado da literalidade estiver dentro do aceitável e razoável, pode haver boas razões para dar preferência ao resultado de algum outro "método" de interpretação, os argumentos variam conforme o "método" não literal que se pretenda defender.
A imperfeição da linguagem para expressar a vontade do legislador costuma ser invocada em favor do "método" intencionalista, assim como a igualdade e uniformidade de tratamento em favor do sistemático. A vinculação da linguagem a seu contexto original e a mudança dos valores com o passar do tempo são argumentos reiterados em favor, respectivamente, dos "métodos" histórico e sociológico. E, finalmente, o caráter instrumental do Direito, como meio imperfeito para alcançar fins que são mais importantes e valiosos que ele, que exige calibramento e revisão em função destes fins, é o argumento padrão em favor do "método" teleológico.
Mas estes argumentos teremos oportunidade de examinar melhor nas postagens que tratem sobre os outros cinco "métodos" de interpretação.
Referências
Obras que representam o ponto de vista da Hermenêutica Jurídica Tradicional:
BETTI, Emilio. Teoria geral da interpretação jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica Jurídica. Brasília: Editora RT, 2001.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica Jurídica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
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