Representação Política (3): Problemas com o Protetor Autorizado

Na minha primeira postagem sobre representação política, propus três modelos de representante: o porta-voz selecionado (que procura votar exatamente como seu eleitor votaria), o protetor autorizado (que decide com seu próprio critério o que é do melhor interesse de seu eleitor) e o legislador republicano (que vota pelo que é melhor para o país em geral, e não necessariamente para seu eleitor em particular). Já na segunda postagem, explorei algumas dificuldades com o modelo do porta-voz selecionado, especialmente nos casos em que a posição do eleitor não está formada, não é conhecida ou não é consensual (ou, pelo menos, amplamente majoritária). Estes casos pareciam obrigar a transição ao modelo do protetor autorizado. Portanto, dessa vez, falaremos de vantagens e desafios deste segundo modelo, bem como de como ele se sai em comparação com o primeiro.

Digamos que o projeto X está sob apreciação e eu, como representante, preciso votar contra ou a favor. Dadas as dificuldades exploradas na postagem anterior, afastei o modelo do porta-voz autorizado: votar exatamente como votaria meu eleitor é um ideal inalcançável. Como alternativa, abraço o modelo do protetor autorizado: vejo o voto de meu eleitor em mim como uma delegação não apenas da decisão legislativa, mas do raciocínio legislativo. Ou seja, juntamente com o poder de decidir, ele me delegou também o poder de julgar segundo meu próprio critério o que é do melhor interesse dele. Não preciso mais ficar angustiado para saber o que ele decidiria ou que ele pensa sobre o assunto em debate: O importante é o que eu penso, mais especificamente o que eu penso que seria melhor para ele. Até certo ponto, isso equivale a perguntar o que eu considero que o eleitor hipoteticamente decidiria, levando em conta seu próprio interesse, se tivesse informação suficiente e critérios adequados de escolha.

Assim como no caso do modelo do porta-voz selecionado, no caso do protetor autorizado, algumas condições têm que estar presentes: a) saber quais são os interesses dos meus eleitores; b) saber de que maneira o projeto em questão afeta os interesses dos meus eleitores; c) saber até que ponto os interesses dos meus eleitores se alinham ou não com os interesses do país em geral. Vou explorar primeiro os elementos que resultam das considerações a) e b) (que vou discutir juntas), deixando a c) para a parte final, quando estivermos concluindo esta postagem e nos preparando para falar, na próxima postagem, sobre o modelo do legislador republicano.

Uma vez que não tenho como saber exatamente quem foram meus eleitores e não posso consultar um por um deles para saber quais são seus interesses, restam duas maneiras como posso saber (seria mais exato dizer "projetar") os interesses de meus eleitores: posso atribuir a eles interesses gerais mais ou menos esperáveis para todos os cidadãos da região geográfica em que fui eleito (interesses gerais / região geográfica); ou posso supor que eu fui eleito por uma faixa demográfica específica para quem minha propaganda e minhas promessas de campanha eram mais dirigidas (estudantes, caminhoneiros, donas de casa, policiais, idosos etc.) e, no passo seguinte, atribuir a meus eleitores os interesses específicos mais ou menos esperáveis dessa faixa demográfica (interesses específicos / faixa demográfica). Vejamos ambas, uma a cada vez, com vantagens e desvantagens.

Digamos que eu tenha sido eleito por cem mil eleitores no estado do Rio de Janeiro. Se eu usar a estratégia dos interesses gerais na região geográfica, eu posso atribuir hipoteticamente a meus eleitores certo conjunto de interesses gerais: que eles querem, por exemplo, que o estado de Rio de Janeiro receba mais investimentos públicos e privados, tenha melhor arrecadação e repasse de recursos, obtenha melhores índices de educação, de saúde, de segurança, de saneamento, conte com melhores condições de infra-estrutura, abastecimento elétrico, de gás e de água, comunicação, transporte intra e inter municipal, aeronáutica e navegação etc. Sempre que a questão for tal que oponha, de um lado, o interesse de outro Estado e, de outro, o do Rio de Janeiro, posso presumir que meu eleitor preferirá a decisão que favorece o Rio de Janeiro; sempre que a questão estiver entre favorecer ou não o Rio de Janeiro, posso presumir que o eleitor preferirá a decisão que favorece.

Isso, contudo, não resolve todos os problemas. Imagine a hipótese em que uma famosa montadora de automóveis quer se instalar no Rio de Janeiro, com promessa de 20.000 empregos diretos, 100.000 empregos indiretos e uma injeção de até R$100 milhões por ano em movimento financeira. Excelente, certo? Bom, nem tanto. Digamos que a montadora em questão só aceite vir se o fornecimento de energia elétrica, gás e água for barateado (subsidiado pelo Estado), se os impostos diretos (IPTR, IRPJ, IPI etc.) forem diminuídos (isenções fiscais) e se ela puder contratar mais de 60% da mão-de-obra como prestadores de serviço e empresas terceirizadas em vez de empregados formais. Além disso, a instalação e o funcionamento da montadora pode levar ao deslocamento de populações nativas, mudanças da paisagem originária e sérios riscos de devastação ambiental. Nesse caso, alguns interesses dos cidadãos do estado do Rio de Janeiro (emprego, renda, crescimento econômico) entram em conflito com outros interesses dos cidadãos do mesmo estado (arrecadação, proteção trabalhista, proteção cultural, paisagística e ambiental), de modo tal que nem todos os cidadãos do estado escolheriam da mesma maneira entre as alternativas. Como estou me colocando na figura do protetor autorizado, sou também eu quem deve decidir se os cidadãos, quando bem informados e julgando adequadamente, deveriam dar preferência ao primeiro ou ao segundo conjunto de interesses. Tanto num caso quanto no outro, é provável que eleitores que votarão em mim se vejam prejudicados ou desconsiderados na decisão que eu tiver tomado.

Agora digamos que eu recorra à outra estratégia: a dos interesses específicos na faixa demográfica. Dado que eu prometi, por exemplo, valorização dos professores do ensino fundamental, aumento de seus salários, formação de planos de carreira, garantia de condições especiais de aposentadoria etc., eu posso presumir que, dos meus cem mil eleitores, uma quantidade considerável é formada de professores, diretores de escolas, coordenadores pedagógicos, psicólogos educacionais, funcionários da educação, estudantes e ex estudantes e parentes de pessoas nessas posições, além de cidadãos com outras profissões e posições que se importam com a educação básica. É uma presunção razoável. Isso permitiria que eu soubesse como decidir quando estão em jogo os interesses dessas classes de pessoas. Eu saberia que eles preferem melhores condições para professores, funcionários e alunos nas instituições de educação.

Contudo, a segunda estratégia parece mais promissora quando combinada com a primeira, por duas razões. A primeira razão é que nem todos os assuntos sobre os quais eu, como representante, precisarei decidir estarão cobertos pelos interesses específicos da faixa demográfica que eu suponho que sejam meus eleitores. No caso da montadora de automóveis que quer se instalar no Rio de Janeiro, por exemplo, os interesses específicos dos profissionais de educação não têm uma relação tão direta quanto à questão. Mesmo que eu considere que é ao interesse desses profissionais que eu devo permanecer leal em todas as minhas decisões, eu não terei como saber qual o interesse dos profissionais da educação sobre a instalação ou não da montadora a não ser atribuindo a eles certos interesses genéricos dos cidadãos do Rio de Janeiro em geral. Ou seja, suplementando a segunda estratégia com a primeira.

A segunda razão é que a segunda estratégia também pode vir ao socorro da primeira naquele caso em que os interesses para um lado entram em conflito com os interesses para o outro. Se eu tiver sido eleito com base em promessas que me permitem presumir que meus eleitores são particularmente preocupados com os efeitos da precarização do trabalho ou da devastação ambiental, eu teria uma razão, não mais com base em interesses gerais, mas com base em interesses específicos, para votar contra a instalação da montadora no Rio de Janeiro.

Dessa forma, quando combinadas entre si, as duas estratégias atuariam assim: Em assuntos que dizem respeito diretamente aos interesses específicos da faixa demográfica que eu represento, eu voto de acordo com o que mais favorece estes interesses específicos, independentemente dos interesses gerais; mas nos assuntos que não dizem respeito diretamente aos interesses específicos da faixa demográfica que eu represento, eu voto de acordo com o que mais favorece os interesses gerais da região geográfica que eu represento, atribuindo aos meus eleitores os interesses presumidos dos cidadãos em geral e tomando para mim a palavra final sobre como decidir entre interesses concorrentes.

Tal modelo combinado parece, à primeira vista, tão razoável em si mesmo e tão superior ao modelo do porta-voz selecionado, que é difícil resistir à tentação de supor que é este tipo de protetor autorizado que se tem em mente quando se fala de um representante que "defende os interesses" de determinados grupos ou setores da sociedade. Parece que achamos, justamente, o representante ideal.

Essa impressão, contudo, se dissolve assim que passamos a considerar quais seriam os efeitos de 513 deputados federais e 81 senadores raciocinando com este modelo particularista em mente. Todos dando prioridade aos interesses das suas respectivas regiões geográficas e faixas demográficas, que frequentemente entram em conflito uns com os outros. Fora as possibilidades de concessão, negociação e compromisso (assuntos que vou debater numa postagem posterior) e excluindo, por ora, a influência da visão partidária, dos financiadores privados e dos lobbies profissionais (que também vou discutir noutra postagem posterior), cada um desses representantes puxaria o tecido legislativo para o seu lado, tornando consenso e solidariedade impossíveis e deixando cada decisão por conta de quais regiões e faixas têm maior número de protetores leais. Grupos não diretamente representados, como estrangeiros, migrantes, prisioneiros e internos de detenção, pacientes psiquiátricos e moradores de rua, estariam totalmente vulneráveis. Em vez de fórum de racionalidade política qualitativa, o parlamento seria pura arena de imposição quantitativa. Vigeria, num cenário assim, a arbitrariedade do número.

Para superar esta dificuldade é necessário que o representante seja, pelo menos em certa medida, um legislador republicano. É preciso que, pelo menos em alguns assuntos e sob certas condições, consiga raciocinar sobre o que é bom para a totalidade, e não apenas para a região ou grupo que o elegeu. É por isso que vamos tratar deste modelo na próxima postagem.

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