O ARGUMENTO DA DIFERENÇA PRÁTICA
Um dos argumentos de positivistas exclusivos contra positivistas inclusivos para mostrar que, se o Direito incorporasse critérios morais, ele deixaria de funcionar como Direito, é o argumento da diferença prática. Segundo este argumento, para que o Direito fizesse diferença prática para nossa conduta, seria preciso que o Direito nos fornecesse uma razão para agir de certa maneira que fosse adicional e distinta das razões que já teríamos para agir daquela maneira antes ou independentemente do Direito. Nesta postagem explicarei em que este argumento consiste.
Considere uma obrigação moral bem estabelecida, como a de cumprir promessas. Sob circunstâncias normais, sem que excepcionalidades intervenham, temos obrigação moral de nos comportar do modo como prometemos a outros que nos comportaríamos. Se utilizarmos o símbolo “OM” para indicar “É moralmente obrigatório que” e o símbolo “cp” para indicar “cumprir promessas”, então, poderíamos dizer que: OM(cp), isto é, é moralmente obrigatório cumprir promessas. Como obrigações morais fornecem boas razões para agir em conformidade com o que elas prescrevem, haver a obrigação moral de cumprir promessas é, em princípio, uma boa razão para cumprir certa promessa.
Agora considere que, se fosse aprovada uma legislação jurídica cujo conteúdo fosse idêntico ao daquela obrigação moral, isto é, que também mandasse cumprir promessas, sob pena de alguma sanção jurídica, passaria a ser o caso de que cumprir promessas, além de ser moralmente obrigatório, se tornaria também juridicamente obrigatório. Se usarmos o símbolo “OJ” para indicar “É juridicamente obrigatório que” e mantivermos o símbolo “cp” para cumprir promessas, diríamos que, em vista da nova legislação, OJ(cp), isto é, é juridicamente obrigatório cumprir promessas. Como obrigações jurídicas também fornecem boas razões para agir, haver a obrigação jurídica de cumprir promessas é, em princípio, uma boa razão para cumprir certa promessa.
Ora, segundo o argumento da diferença prática, este caso seria um em que o Direito falha em fazer diferença prática para nossa conduta. Pois o fato de que OJ(cp) não acrescenta qualquer razão adicional e distinta para cp que já não estivesse presente antes e independentemente do Direito, uma vez que OM(cp). As razões jurídicas que OJ(cp) gera não difeririam em nada das razões não jurídicas que já se tinha em vista de OM(cp).
Da mesma forma aconteceria se o Direito prescrevesse como obrigação jurídica uma conduta que, para ser determinada, tivesse que recorrer à lista das nossas obrigações morais pré-jurídicas (as quais já temos razões extrajurídicas para seguir). O Direito estaria afirmando que OJ(x), mas para saber no que x consiste, teríamos que considerar que x coincide com o conteúdo de uma obrigação moral já estabelecida fora do Direito (OM(a), tal que OJ(x) = OM(a), logo, x = a).
Segundo os positivistas exclusivos, é isso que ocorreria se o Direito incorporasse critérios morais. Se o Direito torna, por exemplo, juridicamente proibidas as penas cruéis, e o critério dessa crueldade é o critério moral extrajurídico, ele tornará juridicamente proibido o que já era moralmente proibido, falhando, assim, em fornecer uma razão adicional e distinta para agir e, portanto, falhando em fazer diferença prática para a conduta.
Como os positivistas exclusivos supõem que é necessário que o Direito faça diferença prática e que isso seria impossível se o Direito incorporasse critérios morais, segue-se deste raciocínio que é impossível que o Direito incorpore critérios morais. O positivismo inclusivo estaria, então, errado.
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