Guinada lingüística e Direito
Nessa postagem, examinaremos as repercussões da guinada lingüística para a Ciência do Direito. De início, recordaremos de que se trata a guinada lingüística (1); depois, distinguiremos entre suas repercussões para a filosofia especulativa e para a filosofia prática (2); então, trataremos o tema da Hermenêutica Jurídica (3) e da Teoria da Argumentação Jurídica (4), enfatizando, respectivamente, as posições exemplares de Ronald Dworkin e Robert Alexy.
(1) Chama-se guinada lingüística à transição da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem, mediante o abandono da compreensão do conhecimento como uma apropriação psicológica do objeto, em favor de uma ênfase na possibilidade de fundamentação de enunciados lingüísticos. A guinada lingüística conta com duas vertentes: uma semântica, em que predomina a preocupação com a possibilidade de verificação da correspondência entre enunciados descritivos e estados de coisas no mundo objetivo, e uma pragmática, em que tal preocupação se desloca para a possibilidade de justificação de todos os gêneros de enunciados (descritivos, prescritivos, expressivos) no contexto de comunicação entre pelo menos dois sujeitos.
(2) A guinada lingüística teve várias repercussões sobre a filosofia, mas deve-se distinguir entre suas repercussões na filosofia especulativa e suas repercussões na filosofia prática.
a. Na filosofia especulativa – especialmente, na teoria do conhecimento – a guinada lingüística teve o importante papel de contribuir para a superação do positivismo epistemológico – quer dizer, a concepção do conhecimento como restrito à experiência sensível – e do chamado “mito do dado” – quer dizer, a crença de que a experiência se oferece como um dado, que impressiona a todos igualmente e que prescinde de interpretação para compreender seu significado epistemológico. Ora, a partir do momento em que a ênfase se desloca dos dados da experiência para os enunciados sobre a experiência, e das condições de conhecimento para as condições de verificação, foi preciso perguntar “Que experimento seria tal que pudesse comprovar esse enunciado?” e as dificuldades de responder a essa pergunta sublinharam o caráter hipotético e controvertidamente interpretativo dos enunciados científicos.
b. Na filosofia prática – especialmente, na teoria da ação – a guinada lingüística contribuiu para a superação do modelo exclusivamente teleológico de compreensão da ação – quer dizer, da crença de que toda ação ou tem sentido finalístico ou não tem sentido algum. A tarefa de fundamentar enunciados mostrou que certos enunciados que não podem ser fundamentados teleologicamente – não se pode apontar o fim para a o qual se prestariam – podem, contudo, ser fundamentados de outras formas – por exemplo, com base em valores, normas, estados de consciência etc. A fundamentabilidade não-teleológica desses enunciados serviu para ampliar o campo da teoria da ação, de modo a incluir ações regidas por normas, ações dirigidas a valores, ações expressivas etc.
(3) Na Hermenêutica Jurídica – quer dizer, aquela parte da teoria da interpretação de textos voltada para as normas jurídicas – foi especialmente importante que a guinada lingüística tenha implodido o modelo positivista de ciência – que fazia que os juristas tratassem as normas como “dados de fato” –, permitindo, assim, que viesse à tona um modelo verdadeiramente normativo de interpretação. Passa-se da interpretação mais “fiel” para a mais “correta”, o que permite evidenciar novamente as relações entre uma hermenêutica jurídica satisfatória e outros terrenos vizinhos, como a política, a ética e a moral. Ronald Dworkin, por exemplo, enfatiza que é ingênua a compreensão do direito como dado de fato e que as controvérsias entre seguir a lei ou afastar-se dela devem ser substituídas por discussões sérias acerca do que as leis realmente significam e como devem ser interpretadas. No seu modelo, assume-se que cada enunciado normativo pode receber vários interpretações e seu procedimento de “interpretação construtiva” tenta uma leitura axiológica das normas evitando os riscos da arbitrariedade valorativa.
(4) Na Teoria da Argumentação Jurídica – quer dizer, aquela parte da teoria da argumentação que se ocupa da fundamentação de enunciados jurídicos – foi mais importante a implosão da compreensão exclusivamente teleológica da ação. Assim, a escolha valorativa entre argumentos concorrentes não precisa ser justificada por algum tipo de “utilidade”, mas pode recorrer diretamente a uma fundamentação normativa. Robert Alexy, por exemplo, mostra que nenhum recurso metodológico permite alcançar para cada caso uma única decisão, de modo que escolhas devem ser feitas e justificadas. Aposta numa teoria do discurso jurídico para sustentar teoricamente a empresa da justificação nos âmbitos judicial e dogmático.
(1) Chama-se guinada lingüística à transição da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem, mediante o abandono da compreensão do conhecimento como uma apropriação psicológica do objeto, em favor de uma ênfase na possibilidade de fundamentação de enunciados lingüísticos. A guinada lingüística conta com duas vertentes: uma semântica, em que predomina a preocupação com a possibilidade de verificação da correspondência entre enunciados descritivos e estados de coisas no mundo objetivo, e uma pragmática, em que tal preocupação se desloca para a possibilidade de justificação de todos os gêneros de enunciados (descritivos, prescritivos, expressivos) no contexto de comunicação entre pelo menos dois sujeitos.
(2) A guinada lingüística teve várias repercussões sobre a filosofia, mas deve-se distinguir entre suas repercussões na filosofia especulativa e suas repercussões na filosofia prática.
a. Na filosofia especulativa – especialmente, na teoria do conhecimento – a guinada lingüística teve o importante papel de contribuir para a superação do positivismo epistemológico – quer dizer, a concepção do conhecimento como restrito à experiência sensível – e do chamado “mito do dado” – quer dizer, a crença de que a experiência se oferece como um dado, que impressiona a todos igualmente e que prescinde de interpretação para compreender seu significado epistemológico. Ora, a partir do momento em que a ênfase se desloca dos dados da experiência para os enunciados sobre a experiência, e das condições de conhecimento para as condições de verificação, foi preciso perguntar “Que experimento seria tal que pudesse comprovar esse enunciado?” e as dificuldades de responder a essa pergunta sublinharam o caráter hipotético e controvertidamente interpretativo dos enunciados científicos.
b. Na filosofia prática – especialmente, na teoria da ação – a guinada lingüística contribuiu para a superação do modelo exclusivamente teleológico de compreensão da ação – quer dizer, da crença de que toda ação ou tem sentido finalístico ou não tem sentido algum. A tarefa de fundamentar enunciados mostrou que certos enunciados que não podem ser fundamentados teleologicamente – não se pode apontar o fim para a o qual se prestariam – podem, contudo, ser fundamentados de outras formas – por exemplo, com base em valores, normas, estados de consciência etc. A fundamentabilidade não-teleológica desses enunciados serviu para ampliar o campo da teoria da ação, de modo a incluir ações regidas por normas, ações dirigidas a valores, ações expressivas etc.
(3) Na Hermenêutica Jurídica – quer dizer, aquela parte da teoria da interpretação de textos voltada para as normas jurídicas – foi especialmente importante que a guinada lingüística tenha implodido o modelo positivista de ciência – que fazia que os juristas tratassem as normas como “dados de fato” –, permitindo, assim, que viesse à tona um modelo verdadeiramente normativo de interpretação. Passa-se da interpretação mais “fiel” para a mais “correta”, o que permite evidenciar novamente as relações entre uma hermenêutica jurídica satisfatória e outros terrenos vizinhos, como a política, a ética e a moral. Ronald Dworkin, por exemplo, enfatiza que é ingênua a compreensão do direito como dado de fato e que as controvérsias entre seguir a lei ou afastar-se dela devem ser substituídas por discussões sérias acerca do que as leis realmente significam e como devem ser interpretadas. No seu modelo, assume-se que cada enunciado normativo pode receber vários interpretações e seu procedimento de “interpretação construtiva” tenta uma leitura axiológica das normas evitando os riscos da arbitrariedade valorativa.
(4) Na Teoria da Argumentação Jurídica – quer dizer, aquela parte da teoria da argumentação que se ocupa da fundamentação de enunciados jurídicos – foi mais importante a implosão da compreensão exclusivamente teleológica da ação. Assim, a escolha valorativa entre argumentos concorrentes não precisa ser justificada por algum tipo de “utilidade”, mas pode recorrer diretamente a uma fundamentação normativa. Robert Alexy, por exemplo, mostra que nenhum recurso metodológico permite alcançar para cada caso uma única decisão, de modo que escolhas devem ser feitas e justificadas. Aposta numa teoria do discurso jurídico para sustentar teoricamente a empresa da justificação nos âmbitos judicial e dogmático.
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Marlete Oliveira