"Ser e tempo", de Heidegger (I)
Os livros de filosofia costumam carregar a fama de serem difíceis. Nós, o público leigo, costumamos pensar neles como longas digressões sobre coisas muito abstrusas numa linguagem que as torna ainda mais inacessíveis. Embora essa imagem, na maioria das vezes, seja falsa, sendo apenas o caso de que não damos a esses livros a chance devida para nos seduzirem e nos aprisionarem, no caso de "Ser e tempo", de Heidegger, aquele estereótipo do texto truncado, que nos causa dor de cabeça e desespero durante a leitura, não está longe da verdade. Heidegger era um gênio, sem dúvida, com idéias revolucionárias e robustas, mas não era um autor particularmente preocupado em fazer-se entender fora do círculo de filósofos profissionais que conviviam com ele. Por isso, sua linguagem, excessivamente abstrata e parcamente ilustrativa, representa um obstáculo real na tarefa de acesso à sua filosofia. Gostaria, se possível, de prestar aqui uma humilde contribuição a essa tarefa, introduzindo de maneira mais palatável algumas de suas idéias principais.
"Ser e tempo" aborda de maneira original uma das mais antigas questões da filosofia: a questão do ser. Vou, inicialmente, dizer do que se trata essa questão, que, embora seja bastante abstrata, depois de compreendida se revela fundamental.
No nosso dia-a-dia, falamos de muitas coisas que existem. Falamos de coisas que têm existência objetiva, como cidades, ruas, casas, carros, roupas, relógios, mesas, cadeiras, telefones celulares etc. Falamos também de pessoas, de homens, de mulheres, de brancos, de negros, de crianças, de adultos, de jovens, de idosos etc. Falamos também de relações, de perto, de longe, de maior, de menor, de mais belo, de mais rápido, de mais barato etc. Falamos ainda de coisas cuja existência é subjetiva, como pensamentos, sentimentos, lembranças, imaginações, sonhos, ilusões de ótica etc. Falamos, finalmente, de coisas cuja existência é cultural, como valor da moeda, movimento da bolsa de valores, conhecimento, arte, religião, prestígio, honra, virtudes etc. São infinitas coisas de muitos tipos diferentes, mas que têm em comum o fato de que podemos falar delas como coisas que existem ou não existem.
Essa "existência" é o fenômeno que a filosofia chama de "ser". As coisas que "são" são as coisas que "existem", as que "não são", as que "não existem". Porém, que significa existir e não existir? Ou, como agora vamos falar, que significa ser ou não ser? (Aqui talvez lhe venha à mente a famosa fala da personagem Hamlet, na peça homônima de Shakespeare: "Ser ou não ser: eis a questão", mas o príncipe da Dinamarca se perguntava sobre se era melhor continuar vivendo ou dar fim à sua vida, e não sobre a questão do ser no sentido filosófico que estamos abordando.)
Para uma mesa, por exemplo, ser significa ocupar certo lugar no espaço e no tempo(ser como ser, em geral, alguma coisa no mundo) e ter certas propriedades comuns a todas as mesas (ser como ser, em especial, uma mesa). Mas essa definição de ser não serviria, por exemplo, para um pensamento, ou para uma relação. O pensamento existe na subjetividade do pensador, enquanto a relação existe na percepção de quem a contempla. A coisa pode ficar ainda mais difícil se falarmos de memórias, de ilusões, de miragens, de sonhos etc.
Tomemos a frase seguinte: "Unicórnios não existem". O que significa dizer que tais seres "não existem"? (Aqui convém distinguir entre não existir enquanto entidade concreta e não existir enquanto conceito, pois os unicórnios, enquanto conceito, existem, do contrário a frase "Unicórnios não existem" não poderia ser formulada. Também convém distinguir entre existir enquanto entidade concreta no mundo real e existir enquanto entidade concreta num mundo fictício, porque, num conto de fadas, por exemplo, um unicórnio pode perfeitamente existir não apenas enquanto conceito, mas também enquanto entidade concreta, como, por exemplo, o animal em que a mocinha monta para fugir de seus perseguidores.) Significa que nunca ninguém viu um unicórnio? Ora, mas nunca ninguém viu o ar, ou a gravidade, ou a raiz quadrada de dois, e todas essas coisas existem. (Embora aqui seja aconselhável chamar a atenção para o fato de que o ar, a gravidade e raiz de dois são coisas cujas propriedades não implicam a possibilidade de serem vistas, enquanto unicórnios, se existissem com as propriedades que se atribuem a eles, certamente teriam que poder ser vistos. Por isso, nunca se ter visto um unicórnio tem uma relevância diferente de nunca se ter visto coisas, como o ar, a gravidade e a raiz de dois, cuja natureza inclui a característica de não serem visíveis.) Significa que não há entidades concretas que preencham as condições para serem reconhecidas como unicórnios, quer dizer, que não há nenhum cavalo com um chifre frontal? Talvez, mas essa explicação contém a expressão "não há", que é apenas uma variante de "não existe", que é exatamente o que queremos explicar.
Passando de unicórnios para coisas mais sérias: Os átomos, eles existem? Bem, existem teorias sobre os átomos, modelos de sua estrutura, funcionamento, relação entre si. Existem milhares de teorias e pesquisas que pressupõem a existência desses átomos e milhares de aparelhos tecnológicos que funcionam a partir dessa suposição. Mas os átomos não são objeto de percepção, como as hemáceas e os leucócitos, que podem ser vistos ao microscópio. Como se poderia provar que eles não são apenas entidades hipotéticas, cuja pressuposição de existência nunca foi refutada por um teste empírico? Como se poderia provar que, além de serem supostos como existentes em teorias que são empiricamente bem-sucedidas, eles realmente existem? Bem, isso depende da resposta que se tenha para a questão do que signficam "ser" e "não ser".
Heidegger diz que a tradição filosófica dos gregos em diante sempre identificou o ser com a presença no mundo. Assim, segundo tal tradição, ser era estar presente no mundo e não ser era não estar presente no mundo. Segundo Heidegger, isso é um erro, porque, se se entende por "presença" a possibilidade de ocupar lugar no espaço e no tempo, toma como resposta geral sobre a questão do ser uma resposta que pode servir, quando muito, para o ser dos objetos materiais, para o ser, por exemplo, de mesas e cadeiras. Ora, tomar como referencial do que é o ser a descrição do ser de objetos materiais é generalizar para todos os outros entes ("entes" são as coisas que são, que existem) o tipo de ser característico de certos entes em particular.
Não que se possa determinar o que é o ser sem levar em conta os entes dos quais se fala em especial, ou seja, sem levar em conta se se fala do ser das mesas, de idéias, de relações, de pessoas, de abstrações etc. Heidegger acreditava que a resposta da questão do ser só pode ser obtida mediante o exame do ser dos entes, e, portanto, é preciso, sim, começar por algum ente ou tipo de ente em especial. Mas não via razão para começar pelos objetos materiais como os entes que acima de tudo deveriam ser examinados. Heidegger acreditava que, na tentativa de responder à questão do ser, se deveria examinar em primeiro lugar aquele ente que é o único que se pergunta sobre o ser, ou seja, o homem.
Aqui vale a pena chamar atenção para um ponto polêmico de interpretação das idéias de Heidegger. Heidegger não se refere explicitamente ao homem, e sim ao "Dasein", termo alemão que, embora signifique simplesmente "existência", é geralmente traduzido como "Ser-aí", porque isso facilita a posterior compreensão dos jogos conceituais que Heidegger faz com o "da" (aí) e o "sein" (ser). Pois bem, o Ser-aí é, segundo Heidegger, aquele ente capaz de se perguntar sobre o ser, aquele ente que se põe como intérprete privilegiado do ser dos outros entes. Ora, o mais natural seria identificar de cara esse ente com o homem. Contudo, uma respeitável tradição de intérpretes considera essa identificação precipitada, ou porque considera que as propriedades que Heidegger atribui ao Ser-aí pertenceriam a todo e qualquer ente que se fizesse a pergunta sobre o ser, e não apenas ao homem; ou porque interpreta que, acima do homem individual, é muito mais às coletividades, às tradições culturais, que Heidegger atribui o estatuto de Ser-aí. Em que pese essa considerável objeção, seguirei minha exposição me referindo ao Ser-aí como sendo o homem individual (essa interpretação que faço costuma ser chamada de "interpretação existencialista" do pensamento de Heidegger).
Portanto, Heidegger acreditava que, na tentativa de responder à questão do ser, se deveria examinar em primeiro lugar aquele ente que é o único que se pergunta sobre o ser, ou seja, o homem. Isso equivale a, na relação entre sujeito conhecedor e objeto conhecido, em vez de se perguntar pelo ser daquele ente que só pode ser objeto, se perguntar pelo ser daquele ente que pode ser tanto objeto quanto sujeito. Em vez de partir das coisas para determinar o ser de todos os entes, inclusive o homem, Heidegger propunha partir do homem para determinar o ser de todos os entes, inclusive as coisas.
(CONTINUA)
Atualização em 07/02/2012: A continuação agora está disponível aqui.
"Ser e tempo" aborda de maneira original uma das mais antigas questões da filosofia: a questão do ser. Vou, inicialmente, dizer do que se trata essa questão, que, embora seja bastante abstrata, depois de compreendida se revela fundamental.
No nosso dia-a-dia, falamos de muitas coisas que existem. Falamos de coisas que têm existência objetiva, como cidades, ruas, casas, carros, roupas, relógios, mesas, cadeiras, telefones celulares etc. Falamos também de pessoas, de homens, de mulheres, de brancos, de negros, de crianças, de adultos, de jovens, de idosos etc. Falamos também de relações, de perto, de longe, de maior, de menor, de mais belo, de mais rápido, de mais barato etc. Falamos ainda de coisas cuja existência é subjetiva, como pensamentos, sentimentos, lembranças, imaginações, sonhos, ilusões de ótica etc. Falamos, finalmente, de coisas cuja existência é cultural, como valor da moeda, movimento da bolsa de valores, conhecimento, arte, religião, prestígio, honra, virtudes etc. São infinitas coisas de muitos tipos diferentes, mas que têm em comum o fato de que podemos falar delas como coisas que existem ou não existem.
Essa "existência" é o fenômeno que a filosofia chama de "ser". As coisas que "são" são as coisas que "existem", as que "não são", as que "não existem". Porém, que significa existir e não existir? Ou, como agora vamos falar, que significa ser ou não ser? (Aqui talvez lhe venha à mente a famosa fala da personagem Hamlet, na peça homônima de Shakespeare: "Ser ou não ser: eis a questão", mas o príncipe da Dinamarca se perguntava sobre se era melhor continuar vivendo ou dar fim à sua vida, e não sobre a questão do ser no sentido filosófico que estamos abordando.)
Para uma mesa, por exemplo, ser significa ocupar certo lugar no espaço e no tempo(ser como ser, em geral, alguma coisa no mundo) e ter certas propriedades comuns a todas as mesas (ser como ser, em especial, uma mesa). Mas essa definição de ser não serviria, por exemplo, para um pensamento, ou para uma relação. O pensamento existe na subjetividade do pensador, enquanto a relação existe na percepção de quem a contempla. A coisa pode ficar ainda mais difícil se falarmos de memórias, de ilusões, de miragens, de sonhos etc.
Tomemos a frase seguinte: "Unicórnios não existem". O que significa dizer que tais seres "não existem"? (Aqui convém distinguir entre não existir enquanto entidade concreta e não existir enquanto conceito, pois os unicórnios, enquanto conceito, existem, do contrário a frase "Unicórnios não existem" não poderia ser formulada. Também convém distinguir entre existir enquanto entidade concreta no mundo real e existir enquanto entidade concreta num mundo fictício, porque, num conto de fadas, por exemplo, um unicórnio pode perfeitamente existir não apenas enquanto conceito, mas também enquanto entidade concreta, como, por exemplo, o animal em que a mocinha monta para fugir de seus perseguidores.) Significa que nunca ninguém viu um unicórnio? Ora, mas nunca ninguém viu o ar, ou a gravidade, ou a raiz quadrada de dois, e todas essas coisas existem. (Embora aqui seja aconselhável chamar a atenção para o fato de que o ar, a gravidade e raiz de dois são coisas cujas propriedades não implicam a possibilidade de serem vistas, enquanto unicórnios, se existissem com as propriedades que se atribuem a eles, certamente teriam que poder ser vistos. Por isso, nunca se ter visto um unicórnio tem uma relevância diferente de nunca se ter visto coisas, como o ar, a gravidade e a raiz de dois, cuja natureza inclui a característica de não serem visíveis.) Significa que não há entidades concretas que preencham as condições para serem reconhecidas como unicórnios, quer dizer, que não há nenhum cavalo com um chifre frontal? Talvez, mas essa explicação contém a expressão "não há", que é apenas uma variante de "não existe", que é exatamente o que queremos explicar.
Passando de unicórnios para coisas mais sérias: Os átomos, eles existem? Bem, existem teorias sobre os átomos, modelos de sua estrutura, funcionamento, relação entre si. Existem milhares de teorias e pesquisas que pressupõem a existência desses átomos e milhares de aparelhos tecnológicos que funcionam a partir dessa suposição. Mas os átomos não são objeto de percepção, como as hemáceas e os leucócitos, que podem ser vistos ao microscópio. Como se poderia provar que eles não são apenas entidades hipotéticas, cuja pressuposição de existência nunca foi refutada por um teste empírico? Como se poderia provar que, além de serem supostos como existentes em teorias que são empiricamente bem-sucedidas, eles realmente existem? Bem, isso depende da resposta que se tenha para a questão do que signficam "ser" e "não ser".
Heidegger diz que a tradição filosófica dos gregos em diante sempre identificou o ser com a presença no mundo. Assim, segundo tal tradição, ser era estar presente no mundo e não ser era não estar presente no mundo. Segundo Heidegger, isso é um erro, porque, se se entende por "presença" a possibilidade de ocupar lugar no espaço e no tempo, toma como resposta geral sobre a questão do ser uma resposta que pode servir, quando muito, para o ser dos objetos materiais, para o ser, por exemplo, de mesas e cadeiras. Ora, tomar como referencial do que é o ser a descrição do ser de objetos materiais é generalizar para todos os outros entes ("entes" são as coisas que são, que existem) o tipo de ser característico de certos entes em particular.
Não que se possa determinar o que é o ser sem levar em conta os entes dos quais se fala em especial, ou seja, sem levar em conta se se fala do ser das mesas, de idéias, de relações, de pessoas, de abstrações etc. Heidegger acreditava que a resposta da questão do ser só pode ser obtida mediante o exame do ser dos entes, e, portanto, é preciso, sim, começar por algum ente ou tipo de ente em especial. Mas não via razão para começar pelos objetos materiais como os entes que acima de tudo deveriam ser examinados. Heidegger acreditava que, na tentativa de responder à questão do ser, se deveria examinar em primeiro lugar aquele ente que é o único que se pergunta sobre o ser, ou seja, o homem.
Aqui vale a pena chamar atenção para um ponto polêmico de interpretação das idéias de Heidegger. Heidegger não se refere explicitamente ao homem, e sim ao "Dasein", termo alemão que, embora signifique simplesmente "existência", é geralmente traduzido como "Ser-aí", porque isso facilita a posterior compreensão dos jogos conceituais que Heidegger faz com o "da" (aí) e o "sein" (ser). Pois bem, o Ser-aí é, segundo Heidegger, aquele ente capaz de se perguntar sobre o ser, aquele ente que se põe como intérprete privilegiado do ser dos outros entes. Ora, o mais natural seria identificar de cara esse ente com o homem. Contudo, uma respeitável tradição de intérpretes considera essa identificação precipitada, ou porque considera que as propriedades que Heidegger atribui ao Ser-aí pertenceriam a todo e qualquer ente que se fizesse a pergunta sobre o ser, e não apenas ao homem; ou porque interpreta que, acima do homem individual, é muito mais às coletividades, às tradições culturais, que Heidegger atribui o estatuto de Ser-aí. Em que pese essa considerável objeção, seguirei minha exposição me referindo ao Ser-aí como sendo o homem individual (essa interpretação que faço costuma ser chamada de "interpretação existencialista" do pensamento de Heidegger).
Portanto, Heidegger acreditava que, na tentativa de responder à questão do ser, se deveria examinar em primeiro lugar aquele ente que é o único que se pergunta sobre o ser, ou seja, o homem. Isso equivale a, na relação entre sujeito conhecedor e objeto conhecido, em vez de se perguntar pelo ser daquele ente que só pode ser objeto, se perguntar pelo ser daquele ente que pode ser tanto objeto quanto sujeito. Em vez de partir das coisas para determinar o ser de todos os entes, inclusive o homem, Heidegger propunha partir do homem para determinar o ser de todos os entes, inclusive as coisas.
(CONTINUA)
Atualização em 07/02/2012: A continuação agora está disponível aqui.
Comentários
Todavia, ao ler sua explanação, surgiu pra mim várias dúvidas as quais nem cabe citar aqui porque são muitas.
Todavia, ao ler trechos de um livro de Ernildo Stein (compreensão e finitude), me pareceu que o modo de explicação fenomenológica Heideggeriano se afastaria da relação sujeito-objeto pois essa é uma pressuposição que não encontra razão.
Ele fala também do fato do ser se projetar no futuro, de modo que antes de pensar a "realidade", deveriamos olhar num sentido de "possibilidade", pela projeção etc.. enfim.. estou percebendo que a complexidade de Heidegger não é a complexidade a que estou acostumado pois parece que ele dança com as palavras, se movendo em um caminho "quase místico" em sua busca pelo sentido do ser... embora eu pouco possa falar disso.
Vou deixar aqui um link de um pequeno video dele no youtube, embora haja um documentário de 6 partes fantástico em inglês sobre ele.
http://www.youtube.com/watch?v=C4d-J_t_dEo
Abraço!
Credito que a atenção dada pelas pessoas ao tema e a concordância que expressam aos comentários pessimistas, é devido à própria identificação com essa maneira doentia de ver o mundo, demonstrando descrédito na própria capacidade e no ser humano.
Inibi-me, um pouco, o fato de não pode tecer comentários mais elaborados, uma vez que estou apenas iniciando meus estudos sobre Heidegger.Encontro-me, ainda, perdida meio às "reais" diferenças entre "ente" e "ser" e "ser-ai". Falamos muito do "ente"! Pensei haver captado a mensagem, mas perdí-me novamente na sequência da leitura. Dou-lhe um exemplo transcrevendo esta frase da "Nota do Tradutor": "O pensamento originário que retorna ao fundamento da metafísica somente pode fazê-lo porque superou o objetivismo da metafísica que confundiu o ser com o ente e não pensa o próprio ser. Este somente pode ser pensado quando se parte da transcendentalidade do ser-aí, isto é,quando se leva em consideração aquela dimensão em que misteriosamente o ser se revela no ser-aí"..."Na dimensão que se abre com o encontro do homem com o ser pode surgir a metafísica"...
Perdoe a minha ignorância, mas o homem não é o "ser"?
Fico-lhe antecipadamente grata pela generosidade de partilhar comigo seu saber.
1) Ser e ente
"Ser" é uma condição ou atributo (a condição ou atributo de existir), enquanto "ente" é certo possuidor dessa condição ou atributo (alguma coisa ou pessoa que existe). Falar de ser e ente é como falar de maciez e uma superfície macia (essa superfície é dotada de maciez, mas não é a maciez, que é uma qualidade abstrata, e não uma coisa), ou falar de cor e um objeto colorido(esse objeto é dotado de cor, mas não é a cor, que é uma qualidade abstrata, e não uma coisa): o ente tem o atributo ou condição de ser, mas não é o ser, que é um atributo ou condição abstrata. As coisas que existem (que são) são os entes, enquanto o ser é esse atributo ou condição de existir (de ser) que todas elas têm em comum. Uma cadeira, por exemplo, é um ente, mas não é um ser, muito menos "o" ser. O ser é algo que está presente na cadeira, na mesa, no cachorro, no ser, algo que os torna entes.
2) Ente e Ser-aí
Entre as coisas que são, isto é, entre os entes, há dois tipos que Heidegger distingue:
a) Os que são no sentido de ocuparem um lugar no mundo e de terem certas características que não foram escolhidas nem produzidas por eles próprios (para esses continuarem a ser, precisam continuar a ter essas mesmas características ao longo do tempo, de modo que, para esses, o tempo é adversário do ser - quer dizer, o tempo é um obstáculo a ser vencido, aquele que torna difícil continuar a ser, como no caso de uma cadeira que, conforme o tempo passa, envelhece, perde cor, dureza, função, até deixar de ser uma cadeira);
b) Os que são no sentido de produzirem suas próprias condições de existência e de estarem constantemente acertos a serem de outra maneira, como um projeto sempre incacabdo, em eterna construção e reconstrução (para esses continuarem a ser, não devem permanecer os mesmos, e sim tornarem-se outros, novos, seguir em novas direções e adquirir novas caracteristicas, determinadas por eles mesmos, de modo que, para esses, o tempo é o ser - quer dizer, em vez de adversário do ser, é uma condição do ser, é aquilo que permite que esse ente seja, já que ele só pode ser tornando-se realização de seu próprio projeto e, portanto, num processo que depende do tempo e se desenvolve no tempo). Os entes desse último tipo são o ser-aí, ou os homens.
3) Confundir o ser com o ente
Para Heidegger, o erro da metafísica tradicional, de Platão e Aristóteles em diante, foi "confundir o ser com o ente", quer dizer, tomar o ser dos entes-objetos como se fosse o ser por excelência, o paradigma do que significa o ser. Heidegger achava que, ao contrário, esse primado ontológico (quer dizer, essa condição de ser o possuidor por execelência do ser) cabia ao ser-aí, isto é, ao ser que se faz a si mesmo, ao ser que é eterna possibilidade em aberto e eterna realização de seu próprio projeto. Essa abertura, essa autoprojeção, essa autodeterminação, enfim, os atributos básicos do ser-aí, esses sim permitem ver o que signifca o ser.
Espero ter ajudado.
O senhor poderá ter uma idéia, mas jamais poderá imaginar a minha alegria esta manhã, cedinho, ao olhar e ver na tela do computador sua resposta.
É certo! Nunca estudei metafísica,porém, com sua resposta clara e objetiva me ajudou; ajudou e muito! Continuarei a minha leitura e,agora,melhor alicerçada pelas suas claras explicações. Serei ainda mais feliz, se o senhor me permitir voltar (de tempos em tempos) a lhe incomodar com minhas "inquietudes heideggerianas".rsrsss
Um grande abraço!
Atena
Estou a fazer um trabalho para a escola sobre o sentido da existencia de heidegger. Mas tou um pouco atrapalhada. Gostava que me desse algumas dicas sobre o sentido do ser para heidegger. O sentido da vida...
obrigada e espero pela resposta!!
Quanta tristeza; quanto me dói ter que declarar a você a minha quase total(ainda) ignorância em relação a Heidegger!. Estou iniciando um mestrado em filosofia cujo tema para este semestre é maître Eckhart X Heidegger. Entretanto, ainda não abordamos Heidegger e nos ocupamos, primeiramete, da mística de maître Eckhart - ídolo de Heidegger. Tenho, como você, pedido ajuda aqui e ali para melhor entender Heidegger; pretendo, mesmo, fazer minha dissertação sobre ele. Heidegger é minha atual paixão.
Aqui mesmo, neste blog, recebi informações que me foram de grande ajuda. Faça, você, agora, o seu questionamento - coloque uma pergunta e o professor responde. Estes primeiros momentos são "o fio da meada" e, evidentemente, de fundamental importância para a compreensão do todo.
Aguardo notícias suas.
Bj
Atena
A única coisa errada no seu texto é o senhor não ter dado continuidade a tarefa. Cadê o resto? Fale, por favor, da questão da "técnica". E também da obra de Heidegger depois da "virada", e da relação do filósofo com a poesia. Obrigado, pelo já feito!
Bem evidente em sua explicações.
Meu caro "usted" está de parabéns.
Gostei muito do seu blog e sua postagem. É a primeira vez que o visito.
Gostaria que me ajudasse a entender melhor o pensamento de Ser humano para Hidegger e, se fosse possível, alguma opinião sobre o tema.
Agradeço muuuuuito pela atenção e pela paciência ao ler meu comentário.
Obrigada
Um abraço.
Anna Julia Weber
Sei que esta publicação é um pouco antiga mais gostaria de lhe pedir a continuidade do artigo ou se não uma breve abordagem da angústtia por heidegger.
um grande abraço!
Obrigado por visitar o blog e deixar um comentário. Volte sempre!
http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com/2012/02/ser-e-tempo-de-heidegger-ii-o-dasein.html
Espero que gostem. Abraços!
Edmundo Carôso
Edmundo Carôso
Estou pensando em fazer minha monografia sobre Ser e Tempo... você me ajudaria? Posso me comunicar com você por e-mail? Abraços.
"O lugar de Deus em Heidegger? Bom, nenhum, eu acho". Eu gostaria de compartilhar com um pequeno comentário: Qual o lugar de Deus em Heidegger? a resposta a esta questão é: Deus é um "ente" entre muitos outros "entes". Se pensarmos numa perspectiva cristã iriamos dizer que Deus seria o próprio "ser", mas não é. Deus é um ente que se relaciona com outros entes. Mas deus é um "ente" um pouco mais melhorado, um Ente superior aos demais, mas não é o responsável pela abertura do "ser", poderia dizer que Deus é uma coisa, um objeto dado ao mundo dos entes, e que é um objeto de estudo da ciência positiva chamada "teologia".
Visitei seu blog hoje a busca de um resumo sobre ser e tempo, mas gostei.
GOSTARIA DE PARABENIZAR PELO BLOG,
E TAMBÉM PODER LER ESTE COMENTÁRIO SOBRE, "SER E TEMPO" DE HEIDEGGER, FIQUEI MUITO INTERESSADO, POIS NESTA MESMA NOITE TIVE UMA AULA, COM O MEU PROFESSOR, DE HISTORIA DA FILOSOFIA
COMTENPORâNEA, MAS AS CONCLUSÕES FINAIS, FICARAM MAIS ESCLARECEDORAS DEPOIS QUE LI O SEU BLOG. SOU ACADÊMICO DE FILOSOFIA, NA UFMS, EM CAMPO GRANDE-MS. DAVI SAMUEL
Meus cumprimentos!