Colonização do Mundo da Vida: Comentários Habermasianos a uma Postagem sobre Cinemas em Belém
Estava eu hoje lendo, como sempre faço, as postagens do amigo Yúdice Randol, no seu excelente blog Arbítrio do Yúdice, quando, lendo a nostálgica e queixosa postagem Tempos que não voltam, percebi que o fato de que ela trata se prestava perfeitamente para ilustrar o que Habermas chama de "colonização do mundo da vida", tema do qual já pude falar com mais detalhe noutras postagens, como Teoria da Ação Comunicativa, Tomo I, de 08/10/2005, e Habermas: Discurso e Emancipação, de 21/07/2009, cuja leitura (ou, para os que me acompanham há mais tempo, releitura) recomendo como aprofundamento da temática que vou abordar agora. Havendo pedido vênia ao Yúdice para uso do texto dele aqui em meu blog, eis como procederei nessa postagem: Primeiro, reproduzirei o texto do Yúdice, tal como se encontra em seu blog (1); em seguida, recordarei a dicotomia habermasiana entre sistemas e mundo da vida, bem como o fenômeno da colonização do mundo da vida pelos sistemas, mais ou menos nos termos com que Habermas aborda o assunto na sua "Teoria da Ação Comunicativa", de 1981 (2); após isso, falarei sobre quais as possíveis perspectivas de mudança desse cenário numa democracia deliberativa, mais ou menos nos termos em que Habermas se pronuncia no seu "Direito e Democracia: Entre Facticidade e Validade", de 1992 (3). Ao final, espero haver conseguido articular bem o fato empírico com os conceitos teóricos, de modo que o fenômeno se mostre mais claro e compreensível.
1 - "Tempos que não voltam", por Yúdice Randol
Filmes comerciais sempre foram mais exibidos, tanto por serem produzidos em maior quantidade quanto por terem mais apelo público. Por isso, na Belém de antigamente, podíamos vê-los nas salas das duas redes disponíveis: Severiano Ribeiro e CineArt. Esta última, contudo, como o nome já sugeria, permitia-se exibir filmes de arte, vez por outra na programação regular, embora mais comumente em matinês dominicais.
Tínhamos ainda o Cine Líbero Luxardo, que exibia os filmes de arte pra caramba, os alternativos, os de mais difícil distribuição. Caminho semelhante poderia ter sido seguido pelo Cineteatro Maria Sylvia Nunes, da Estação das Docas, mas este sempre foi uma piada, sub-utilizado até não mais poder, tanto como cinema quanto como teatro. Sempre teve como função principal sediar eventos, alguns bem banais.
E para não ser injusto, poderia lembrar também o Nazaré II e o Ópera, exclusivamente dedicados ao mercado pornô.
O que quero dizer é que, em outras épocas, a programação de cinema na cidade variava um pouco. Você podia escolher categorias de filmes, conforme a rede procurada. Com todos os problemas e carências que vivíamos então, ainda era melhor do que a situação atual. A única mudança positiva foi a chegada do Cinépolis (você já se cansou de me ver escrever sobre isso), que trata o público com muito mais respeito do que a droga do Moviecom. Mas experimente comparar a programação das duas redes: é rigorosamente igual. Não há como escapar.
A ausência de variação já seria problema bastante, mas há um adicional: a absoluta prioridade que as redes comerciais dão aos filmes mais rentáveis. O negócio é blockbuster e bobajório. Filme de arte? Só em DVD ou pela TV a cabo. Quem sabe você encontre algo do seu gosto no Telecine Cult. Boa sorte.
Que lástima.
2. Segundo Habermas, na transição das sociedades tradicionais para as sociedades modernas, surgiram dois domínios da vida social: o mundo da vida e os sistemas. O mundo da vida é o mundo simbólico da cultura, que é formado, mantido e tranformado incessantemente por uma rede de trocas simbólicas mediadas pela linguagem e com vista ao entendimento mútuo. Já os sistemas são dois: sistema econômico e sistema político. O sistema econômico é formado pelos agentes econômicos (os que compram e os que vendem, os que produzem e os que consomem) que interagem entre si através do dinheiro (possibilidade de troca de qualquer coisa por qualquer coisa) e que estão constantemente em busca do êxito (no caso, o lucro). Por sua vez, o sistema político é formado pelos agentes políticos (os que mandam e os que obedecem, os que cobram e os que pagam) que interagem entre si através do poder (possibilidade de, através da coerção, transformar qualquer plano em ação) e que estão constantemente em busca do êxito (no caso, a dominação). Assim, enquanto o mundo da vida é mediado pela linguagem e visa ao entedimento, os sistemas são mediados por meios não linguísticos (dinheiro e poder) e visam ao êxito (lucro e dominação).
Para Habermas, mundo da vida e sistemas são dotados de duas formas distintas de racionalidade e cumprem duas funções distintas na reprodução social. O mundo da vida é dotado de uma racionalidade comunicativa, a racionalidade que se manifesta quando dois sujeitos tentam entender-se sobre alguma coisa no mundo fazendo uso da linguagem e lançando mão de argumentos. Aqui os sujeitos são considerados livres e iguais, podem falar e devem ouvir, não estão obrigados a aceitar nenhuma crença do outro, mas também não estão autorizados a impor nenhuma crença ao outro. Só podem se servir de argumentos e buscar cooperativamente a melhor resposta para o problema que se propuseram discutir. Por isso mesmo, Habermas diz que o mundo da vida é responsável pela chamada reprodução simbólica da sociedade, isto é, a geração de crenças e valores consensuais com base nos quais possam existir alguma integração social e convivência. Já os sistemas são dotados de uma racionalidade instrumental, a racionalidade que se manifesta quando um sujeito quer atingir um objetivo no mundo e usa dos meios necessários para isso. Aqui o sujeito não considera outros indivíduos como sujeitos, e sim como meros meios para alcançar os fins que ele tem em vista. Nos sistemas as interações são estratégicas, isto é, cada sujeito interage com o outro visando apenas aos seus próprios fins e sabendo de antemão que o outro age dessa mesma forma. Por isso mesmo, a racionalidade instrumental dos sistemas é a que é capaz de atingir o maior êxito no menor intervalo de tempo, mostrando-se, assim, ideal para um outro tipo de reprodução social, a reprodução material, que mantém a constante produção/distribuição de bens materiais (sistema econômico) e a constante manutenção de paz e ordem (sistema político) de maneira muito mais eficiente do que seria se esses mesmos objetivos tivessem que ser alcançados por via da comunicação, da deliberação e do consenso. Sendo assim, mundo da vida e sistemas podem ser pensados como tendo funções complementares entre si e não podendo existir sem o outro: uma sociedade só de mundo da vida não teria eficiência suficiente para manter-se materialmente, enquanto uma sociedade só de sistemas se dissolveria em pura competição e não teria consensos simbólicos suficientes para tornar possíveis o respeito e a convivência.
Contudo, em sociedades em que a racionalidade instrumental se impõe cada vez mais sobre a racionalidade comunicativa, ocorre um fenômeno peculiar e patológico chamado "colonização do mundo da vida pelos sistemas". Trata-se da "invasão" da racionalidade instrumental dos sistemas sobre âmbitos da vida social que se deveriam reger pela racionalidade comunicativa. Os sistemas, porque visam apenas ao êxito e não se regem por nenhum valor nem reconhecem nenhum limite, tendem a avançar indefinidamente sobre todos os âmbitos da vida social que se oferecerem como potencialmente exploráveis. Os sistemas são "cegos" para qualquer consideração moral, artística, religiosa,cultural etc. e não hesitam em invadir novos âmbitos e converter todo o funcionamento deles para a sua lógica própria, isto é, para uma racionalidade puramente instrumental com vista ao êxito. A colonização de um âmbito do mundo da vida pelo sistema econômico se chama "mercantilização", enquanto, se é pelo sistema político, se chama "burocratização". Isso se reflete em nossa linguagem cotidiana, quando dizemos que alguma pessoa ou alguma coisa que antes tinha a sua dignidade própria agora "se vendeu para o mercado" (como dizemos de alguns artistas e de alguns pensadores), ou agora "se converteu em puro negócio" (como dizemos de alguns esportes e de algumas religiões), ou agora "se tornou uma indústria" (como dizemos do jornalismo, do turismo, da música, do cinema). Reflete-se também quando dizemos que alguma coisa que antes se fazia espontânea e livremente (comparecer a uma reunião, manter um ambiente limpo, votar), agora se faz "por imposição", "por medo da punição" ou "por mera formalidade", ou ainda quando reconhecemos que certas relações, antes dotadas de afeto e de confiança (um atendimento médico, o sustento que o pai dá aos filhos, a ajuda do ex-marido à ex-mulher), se tornaram "protocolares", "contratuais" ou "puramente exteriores". Em todos esses casos, o que a nossa linguagem denuncia é a percepção de uma perda, de uma degeneração, de um empobrecimento, de um esvaziamento de sentido ao mesmo tempo preocupante e lamentável. Essa é a forma leiga de sentir e de expressar a chamada "colonização do mundo da vida".
Ora, explicada nesses termos, a colonização do mundo da vida pelos sistemas tem uma clara relação com o fato abordado pela postagem "Tempos que não voltam". Pode-se dizer que a percepção do Yúdice foi exatamente dos efeitos da "mercantilização" do cinema. Se essa arte é vista exclusivamente como negócio e é avaliada exclusivamente do ponto de vista de sua rentabilidade, é evidente que escolhas que antes levavam em conta critérios artísticos passarão a levar mais e mais em conta apenas critérios econômicos. Trata-se do fenômeno para o qual Adorno já chamava a atenção quando falava da progressiva substituição da arte (que tem preocupação com a sensibilidade, com a contemplação ativa da beleza e com experiências de sentido) pelo entretenimento (que tem preocupação com a excitação mental, emocional e sensória, com a recepção passiva de um conteúdo banal e com a experiência da intensidade inócua). E isso é assim porque a arte é seletiva com seu público de um modo tal que se mostra cada vez menos compatível com metas mercadológicas. Exatamente por isso, quanto mais o cinema se vir totalmente enredado pelo mercado, maiores as chances de que os blockbusters, filmes água-com-açúcar e besteiróis dominem a programação das salas de projeção em qualquer que seja a empresa distribuidora.
E por que antes era diferente? Basicamente, porque as antigas empresas distribuidoras locais eram, do ponto de vista econômico, mais amadoras que as atuais franquias megaempresariais. Tais empresas eram propriedades de certos empresários individuais que não tiravam delas seu sustento principal e que haviam se aventurado no ramo do cinema por verem nele, claro, um promissor horizonte econômico, mas também em grande medida pelo amor que devotavam a essa arte. Daí que precisassem, claro, do lucro para manter o negócio e projetassem filmes rentáveis, mas ao mesmo tempo quisessem, de quando em vez, usar as salas que tinham para fazer aquilo com que tinham sonhado quando as adquiriram, isto é, levar arte ao grande público, tornar a beleza e a sensibilidade acessíveis a quase todos. Contudo, com o avanço do capitalismo e da globalização, os meios de comunicação e de propaganda vão tornando o "gosto" do público pelo puro entretenimento cada vez mais homogêneo e as exigências se deslocam da qualidade da película e da experiência de assisti-la para a celeridade com que os filmes da moda chegam às salas, o conforto das instalações e dos assentos, a praticidade dos meios de compra e de pagamento etc., tudo formando o quadro exato em que pequenas empresas não são capazes de competir com grandes franquias e são inevitavelmente levadas à falência. Se acrescentarmos a esse quadro a perspectiva de que a globalização da informação e do mau gosto são processos que se mostram crescentes e irreversíveis, não teremos nenhuma razão para ficar mais otimistas em relação a esse assunto e só nos restará nutrir a doce memória dos tempos em que as coisas eram pelo menos um pouco diferentes.
Contudo, penso que é possível sonhar com algo melhor e visualizar meios de realizá-lo, mesmo que seja em pequena escala e não sem alguma dose de esforço e de mobilização.
3. Há duas perguntas a responder quanto à solução desse problema: Primeiro, qual é essa solução? Segundo, como se pode fazer para que ela venha a ser implementada? Bom, a primeira resposta precisa partir do fato de que, felizmente, pessoas apaixonadas pelo cinema enquanto arte ainda existem. Existem as que estão dispostas a assistir bons filmes se eles forem exibidos, as que estão dispostas a fazer bons filmes se puderem sustentar-se com isso e as que estão dispostas a exibir bons filmes se tiverem incentivos para isso. Esse fato é primordial, pois, se não houvesse essas pessoas ou se elas fossem em número insignificante, o problema seria, aí sim, verdadeiramente insolúvel. Essas pessoas fornecem por assim dizer o capital inicial com que é possível colocar em movimento a solução do problema.
Essa solução passa exatamente pelos incentivos: ao público, aos artistas e aos distribuidores. Vamos começar por esses últimos. Os distribuidores que farão a diferença para melhor não são os grandes distribuidores que visam apenas ao lucro, mas sim os pequenos distribuidores, pessoas apaixonadas por cinema e dispostas a trabalhar para manter uma sala de cinema funcionando, mas que não têm condições financeiras e materiais de competir com as grandes franquias. Essas pessoas precisam ser descobertas e incentivadas. Um bom meio para isso é a política pela qual se dão incentivos tributários para que grandes empresas (como bancos, lojas de departamento, indústrias etc.) aluguem ou comprem espaços em que se montem salas de cinema, que possam ser mantidas e administradas exatamente por aqueles apaixonados pela arte, devidamente remunerados por tais empresas. Em alguns países, é o próprio Estado que compra terrenos e constrói prédios com muitas pequenas salas de cinema, cuja administração caberá a pessoas individuais que passam por certas licitações e que mudam a cada dois ou três anos. Tudo é feito de modo que a sala seja rentável o bastante para a pessoa apenas se ela oferecer um circuito alternativo de filmes, pois, se sua sala investir nos mesmos filmes da moda, perderá em conforto e comodidade para as grandes franquias e fechará em pouco tempo. Esse tipo de providência costuma funcionar (em Londres, em Paris, em Berlim, em NY, em São Paulo) para haver disponibilidade de opções mais artísticas de filmes para o público mais afeito aos bons filmes.
Em segundo lugar, aos artistas. Afinal, se houver as salas para circuito alternativo, mas não houver os filmes para tanto, será impossível sustentar a solução. É preciso estimular a formação de atores, técnicos e cineastas, por meio de bons cursos universitários e técnicos envolvidos com essas áreas. Remunerar bem os bons profissionais e professores dessas atividades para que tenham estímulo para o ensino, trazendo, quando for o caso, professores estrangeiros que enriqueçam as experiências locais. É preciso estimular também a produção de filmes de cunho mais artístico e alternativo, criando incentivos para as empresas que os patrocinarem ou destinando parte das próprias verbas públicas para esse patrocínio. É preciso estimular ainda a participação dos distribuidores brasileiros nos grandes festivais internacionais, onde se pode descobrir bons filmes estrangeiros e firmar parcerias importantes com distribuidores de circuito alternativo em diversos outros países. Dessa forma, haverá uma boa leva de bons filmes para serem exibidos.
Tendo o local e tendo os filmes, faltará apenas o público. No que se refere ao público que já existe interessado em filmes mais artísticos, trata-se do tripé divulgação, preço e respeito. Se houver boa divulgação dessas salas e de suas programações (em São Paulo, em Londres e em Nova York existem sites da internet e publicações eletrônicas e impressas dedicadas só a essa divulgação), se os preços forem acessíveis pelo menos à classe média mais baixa e se as condições de acomodação (acessibilidade, segurança, estacionamento, limpeza, beleza, conforto) e de tratamento (cumprimento fiel da programação, quantidade de lugares compatível com a procura e a divulgação, civilidade e gentileza dos funcionários) forem boas, a probabilidade de as salas ficarem vazias é muito baixa. Esse público, satisfeito com a nova opção, criará aos poucos um efeito em cascata, trazendo um número cada vez maior de outros curiosos e aficcionados. Mas isso não basta: Para impedir um efeito elitizante dessas medidas, é preciso também investir na formação de um público artisticamente mais sensível e interessado. Para isso, o papel da escola, das empresas e da mídia não deve ser desprezado. Oferecer incentivos a escolas que deem cursos ou palestras sobre a história e a arte do cinema, a empresas que levem seus funcionários às salas com circuito alternativo e a canais de rádio e de TV que dediquem parte da sua programação a conteúdo mais explicitamente artístico é uma providência relativamente simples que tem bons resultados em vários países. Com tudo isso, torna-se menos difícil visualizar uma saída para o vazio de conteúdo e de sentido a que a colonização do mundo da vida levou o cinema.
Mas tudo isso implicaria a aprovação de normas e a tomada de uma série de atitudes por parte do Estado. E, dada a costumeira indiferença do Estado por assuntos culturais e sua conhecida parceria e volubilidade aos avanços lobísticos das grandes franquias cinematográficas, todas essas saídas e possibilidades não estariam destinadas a morrer asfixiadas pela inércia e pelos interesses do Estado? A resposta é: Sim, se o Estado for deixado por si mesmo. No modelo da democracia deliberativa de Habermas, não basta que na esfera pública difusa (o espaço comunicativo de nossas discussões cotidianas sobre nossa situação e sobre nossos interesses e perspectivas, o espaço em que está o meu blog e o do Yúdice, mas também todas as conversas e trocas de ideias que se dão desde a mídia até a sala do café das empresas e o balcão da lanchonete) se formem opiniões e vontades, pois para que essas possam chegar até a esfera pública institucionalizada (o espaço oficial dos órgãos estatais em que se tomam as decisões vinculantes para todos) é preciso o concurso dos movimentos sociais - as associações espontâneas da sociedade civil em que grupos com opiniões e interesses convergentes se reúnem para adquirir uma existência mais coesa, uma rede mais conexa e informada, uma capacidade de pressão mais eficiente e um poder de barganha mais considerável. Assim, uma ou várias associações de amantes do cinema, reunindo apreciadores, artistas e candidatos a distribuidores poderia ser o meio através do qual as demandas de cinéfilos do país inteiro fossem reunidas e pudessem se fazer ouvir tanto na grande mídia quanto, principalmente, nos espaços do Legislativo e do Executivo, que se veriam obrigados a tomar medidas para satisfazer essas demandas capazes de serem convertidas em votos, tanto contra quanto a favor dos que ocupam esses cargos. Tais associações poderiam contratar especialistas, que unissem criativamente as demandas dos insatisfeitos com as experiências bem sucedidas aqui e fora do país, construindo soluções que seriam vertidas na forma de projetos de lei e apresentadas à apreciação dos representantes políticos.
É possível que ainda assim fossem várias as derrotas para o lobby das grandes distribuidoras? Sim. Mas os que votassem contra os projetos assim apresentados teriam que mostrar sua cara e suportar a consequência de perder números significativos de votos com suas medidas. Um novo grupo de políticos, oportunistas como eles sempre são, perceberia esse "filão" desatendido de votos e faria da representação desses interesses a sua plataforma de eleição e de manutenção no poder. Tudo só depende de um primeiro passo, tomado pela própria sociedade civil, recusando-se ao papel de espectadora passiva da banalização de seus bens culturais e assumindo o papel que lhe cabe de reagir contra a onda destruidora da mercantilização. É isso que Habermas chama de mobilização da esfera pública em prol da emancipação do mundo da vida, o que, trocando em miúdos, significa em prol da defesa da possibilidade de termos, como comunidade, meios reais de experimentar sentido, liberdade e felicidade.
1 - "Tempos que não voltam", por Yúdice Randol
Filmes comerciais sempre foram mais exibidos, tanto por serem produzidos em maior quantidade quanto por terem mais apelo público. Por isso, na Belém de antigamente, podíamos vê-los nas salas das duas redes disponíveis: Severiano Ribeiro e CineArt. Esta última, contudo, como o nome já sugeria, permitia-se exibir filmes de arte, vez por outra na programação regular, embora mais comumente em matinês dominicais.
Tínhamos ainda o Cine Líbero Luxardo, que exibia os filmes de arte pra caramba, os alternativos, os de mais difícil distribuição. Caminho semelhante poderia ter sido seguido pelo Cineteatro Maria Sylvia Nunes, da Estação das Docas, mas este sempre foi uma piada, sub-utilizado até não mais poder, tanto como cinema quanto como teatro. Sempre teve como função principal sediar eventos, alguns bem banais.
E para não ser injusto, poderia lembrar também o Nazaré II e o Ópera, exclusivamente dedicados ao mercado pornô.
O que quero dizer é que, em outras épocas, a programação de cinema na cidade variava um pouco. Você podia escolher categorias de filmes, conforme a rede procurada. Com todos os problemas e carências que vivíamos então, ainda era melhor do que a situação atual. A única mudança positiva foi a chegada do Cinépolis (você já se cansou de me ver escrever sobre isso), que trata o público com muito mais respeito do que a droga do Moviecom. Mas experimente comparar a programação das duas redes: é rigorosamente igual. Não há como escapar.
A ausência de variação já seria problema bastante, mas há um adicional: a absoluta prioridade que as redes comerciais dão aos filmes mais rentáveis. O negócio é blockbuster e bobajório. Filme de arte? Só em DVD ou pela TV a cabo. Quem sabe você encontre algo do seu gosto no Telecine Cult. Boa sorte.
Que lástima.
2. Segundo Habermas, na transição das sociedades tradicionais para as sociedades modernas, surgiram dois domínios da vida social: o mundo da vida e os sistemas. O mundo da vida é o mundo simbólico da cultura, que é formado, mantido e tranformado incessantemente por uma rede de trocas simbólicas mediadas pela linguagem e com vista ao entendimento mútuo. Já os sistemas são dois: sistema econômico e sistema político. O sistema econômico é formado pelos agentes econômicos (os que compram e os que vendem, os que produzem e os que consomem) que interagem entre si através do dinheiro (possibilidade de troca de qualquer coisa por qualquer coisa) e que estão constantemente em busca do êxito (no caso, o lucro). Por sua vez, o sistema político é formado pelos agentes políticos (os que mandam e os que obedecem, os que cobram e os que pagam) que interagem entre si através do poder (possibilidade de, através da coerção, transformar qualquer plano em ação) e que estão constantemente em busca do êxito (no caso, a dominação). Assim, enquanto o mundo da vida é mediado pela linguagem e visa ao entedimento, os sistemas são mediados por meios não linguísticos (dinheiro e poder) e visam ao êxito (lucro e dominação).
Para Habermas, mundo da vida e sistemas são dotados de duas formas distintas de racionalidade e cumprem duas funções distintas na reprodução social. O mundo da vida é dotado de uma racionalidade comunicativa, a racionalidade que se manifesta quando dois sujeitos tentam entender-se sobre alguma coisa no mundo fazendo uso da linguagem e lançando mão de argumentos. Aqui os sujeitos são considerados livres e iguais, podem falar e devem ouvir, não estão obrigados a aceitar nenhuma crença do outro, mas também não estão autorizados a impor nenhuma crença ao outro. Só podem se servir de argumentos e buscar cooperativamente a melhor resposta para o problema que se propuseram discutir. Por isso mesmo, Habermas diz que o mundo da vida é responsável pela chamada reprodução simbólica da sociedade, isto é, a geração de crenças e valores consensuais com base nos quais possam existir alguma integração social e convivência. Já os sistemas são dotados de uma racionalidade instrumental, a racionalidade que se manifesta quando um sujeito quer atingir um objetivo no mundo e usa dos meios necessários para isso. Aqui o sujeito não considera outros indivíduos como sujeitos, e sim como meros meios para alcançar os fins que ele tem em vista. Nos sistemas as interações são estratégicas, isto é, cada sujeito interage com o outro visando apenas aos seus próprios fins e sabendo de antemão que o outro age dessa mesma forma. Por isso mesmo, a racionalidade instrumental dos sistemas é a que é capaz de atingir o maior êxito no menor intervalo de tempo, mostrando-se, assim, ideal para um outro tipo de reprodução social, a reprodução material, que mantém a constante produção/distribuição de bens materiais (sistema econômico) e a constante manutenção de paz e ordem (sistema político) de maneira muito mais eficiente do que seria se esses mesmos objetivos tivessem que ser alcançados por via da comunicação, da deliberação e do consenso. Sendo assim, mundo da vida e sistemas podem ser pensados como tendo funções complementares entre si e não podendo existir sem o outro: uma sociedade só de mundo da vida não teria eficiência suficiente para manter-se materialmente, enquanto uma sociedade só de sistemas se dissolveria em pura competição e não teria consensos simbólicos suficientes para tornar possíveis o respeito e a convivência.
Contudo, em sociedades em que a racionalidade instrumental se impõe cada vez mais sobre a racionalidade comunicativa, ocorre um fenômeno peculiar e patológico chamado "colonização do mundo da vida pelos sistemas". Trata-se da "invasão" da racionalidade instrumental dos sistemas sobre âmbitos da vida social que se deveriam reger pela racionalidade comunicativa. Os sistemas, porque visam apenas ao êxito e não se regem por nenhum valor nem reconhecem nenhum limite, tendem a avançar indefinidamente sobre todos os âmbitos da vida social que se oferecerem como potencialmente exploráveis. Os sistemas são "cegos" para qualquer consideração moral, artística, religiosa,cultural etc. e não hesitam em invadir novos âmbitos e converter todo o funcionamento deles para a sua lógica própria, isto é, para uma racionalidade puramente instrumental com vista ao êxito. A colonização de um âmbito do mundo da vida pelo sistema econômico se chama "mercantilização", enquanto, se é pelo sistema político, se chama "burocratização". Isso se reflete em nossa linguagem cotidiana, quando dizemos que alguma pessoa ou alguma coisa que antes tinha a sua dignidade própria agora "se vendeu para o mercado" (como dizemos de alguns artistas e de alguns pensadores), ou agora "se converteu em puro negócio" (como dizemos de alguns esportes e de algumas religiões), ou agora "se tornou uma indústria" (como dizemos do jornalismo, do turismo, da música, do cinema). Reflete-se também quando dizemos que alguma coisa que antes se fazia espontânea e livremente (comparecer a uma reunião, manter um ambiente limpo, votar), agora se faz "por imposição", "por medo da punição" ou "por mera formalidade", ou ainda quando reconhecemos que certas relações, antes dotadas de afeto e de confiança (um atendimento médico, o sustento que o pai dá aos filhos, a ajuda do ex-marido à ex-mulher), se tornaram "protocolares", "contratuais" ou "puramente exteriores". Em todos esses casos, o que a nossa linguagem denuncia é a percepção de uma perda, de uma degeneração, de um empobrecimento, de um esvaziamento de sentido ao mesmo tempo preocupante e lamentável. Essa é a forma leiga de sentir e de expressar a chamada "colonização do mundo da vida".
Ora, explicada nesses termos, a colonização do mundo da vida pelos sistemas tem uma clara relação com o fato abordado pela postagem "Tempos que não voltam". Pode-se dizer que a percepção do Yúdice foi exatamente dos efeitos da "mercantilização" do cinema. Se essa arte é vista exclusivamente como negócio e é avaliada exclusivamente do ponto de vista de sua rentabilidade, é evidente que escolhas que antes levavam em conta critérios artísticos passarão a levar mais e mais em conta apenas critérios econômicos. Trata-se do fenômeno para o qual Adorno já chamava a atenção quando falava da progressiva substituição da arte (que tem preocupação com a sensibilidade, com a contemplação ativa da beleza e com experiências de sentido) pelo entretenimento (que tem preocupação com a excitação mental, emocional e sensória, com a recepção passiva de um conteúdo banal e com a experiência da intensidade inócua). E isso é assim porque a arte é seletiva com seu público de um modo tal que se mostra cada vez menos compatível com metas mercadológicas. Exatamente por isso, quanto mais o cinema se vir totalmente enredado pelo mercado, maiores as chances de que os blockbusters, filmes água-com-açúcar e besteiróis dominem a programação das salas de projeção em qualquer que seja a empresa distribuidora.
E por que antes era diferente? Basicamente, porque as antigas empresas distribuidoras locais eram, do ponto de vista econômico, mais amadoras que as atuais franquias megaempresariais. Tais empresas eram propriedades de certos empresários individuais que não tiravam delas seu sustento principal e que haviam se aventurado no ramo do cinema por verem nele, claro, um promissor horizonte econômico, mas também em grande medida pelo amor que devotavam a essa arte. Daí que precisassem, claro, do lucro para manter o negócio e projetassem filmes rentáveis, mas ao mesmo tempo quisessem, de quando em vez, usar as salas que tinham para fazer aquilo com que tinham sonhado quando as adquiriram, isto é, levar arte ao grande público, tornar a beleza e a sensibilidade acessíveis a quase todos. Contudo, com o avanço do capitalismo e da globalização, os meios de comunicação e de propaganda vão tornando o "gosto" do público pelo puro entretenimento cada vez mais homogêneo e as exigências se deslocam da qualidade da película e da experiência de assisti-la para a celeridade com que os filmes da moda chegam às salas, o conforto das instalações e dos assentos, a praticidade dos meios de compra e de pagamento etc., tudo formando o quadro exato em que pequenas empresas não são capazes de competir com grandes franquias e são inevitavelmente levadas à falência. Se acrescentarmos a esse quadro a perspectiva de que a globalização da informação e do mau gosto são processos que se mostram crescentes e irreversíveis, não teremos nenhuma razão para ficar mais otimistas em relação a esse assunto e só nos restará nutrir a doce memória dos tempos em que as coisas eram pelo menos um pouco diferentes.
Contudo, penso que é possível sonhar com algo melhor e visualizar meios de realizá-lo, mesmo que seja em pequena escala e não sem alguma dose de esforço e de mobilização.
3. Há duas perguntas a responder quanto à solução desse problema: Primeiro, qual é essa solução? Segundo, como se pode fazer para que ela venha a ser implementada? Bom, a primeira resposta precisa partir do fato de que, felizmente, pessoas apaixonadas pelo cinema enquanto arte ainda existem. Existem as que estão dispostas a assistir bons filmes se eles forem exibidos, as que estão dispostas a fazer bons filmes se puderem sustentar-se com isso e as que estão dispostas a exibir bons filmes se tiverem incentivos para isso. Esse fato é primordial, pois, se não houvesse essas pessoas ou se elas fossem em número insignificante, o problema seria, aí sim, verdadeiramente insolúvel. Essas pessoas fornecem por assim dizer o capital inicial com que é possível colocar em movimento a solução do problema.
Essa solução passa exatamente pelos incentivos: ao público, aos artistas e aos distribuidores. Vamos começar por esses últimos. Os distribuidores que farão a diferença para melhor não são os grandes distribuidores que visam apenas ao lucro, mas sim os pequenos distribuidores, pessoas apaixonadas por cinema e dispostas a trabalhar para manter uma sala de cinema funcionando, mas que não têm condições financeiras e materiais de competir com as grandes franquias. Essas pessoas precisam ser descobertas e incentivadas. Um bom meio para isso é a política pela qual se dão incentivos tributários para que grandes empresas (como bancos, lojas de departamento, indústrias etc.) aluguem ou comprem espaços em que se montem salas de cinema, que possam ser mantidas e administradas exatamente por aqueles apaixonados pela arte, devidamente remunerados por tais empresas. Em alguns países, é o próprio Estado que compra terrenos e constrói prédios com muitas pequenas salas de cinema, cuja administração caberá a pessoas individuais que passam por certas licitações e que mudam a cada dois ou três anos. Tudo é feito de modo que a sala seja rentável o bastante para a pessoa apenas se ela oferecer um circuito alternativo de filmes, pois, se sua sala investir nos mesmos filmes da moda, perderá em conforto e comodidade para as grandes franquias e fechará em pouco tempo. Esse tipo de providência costuma funcionar (em Londres, em Paris, em Berlim, em NY, em São Paulo) para haver disponibilidade de opções mais artísticas de filmes para o público mais afeito aos bons filmes.
Em segundo lugar, aos artistas. Afinal, se houver as salas para circuito alternativo, mas não houver os filmes para tanto, será impossível sustentar a solução. É preciso estimular a formação de atores, técnicos e cineastas, por meio de bons cursos universitários e técnicos envolvidos com essas áreas. Remunerar bem os bons profissionais e professores dessas atividades para que tenham estímulo para o ensino, trazendo, quando for o caso, professores estrangeiros que enriqueçam as experiências locais. É preciso estimular também a produção de filmes de cunho mais artístico e alternativo, criando incentivos para as empresas que os patrocinarem ou destinando parte das próprias verbas públicas para esse patrocínio. É preciso estimular ainda a participação dos distribuidores brasileiros nos grandes festivais internacionais, onde se pode descobrir bons filmes estrangeiros e firmar parcerias importantes com distribuidores de circuito alternativo em diversos outros países. Dessa forma, haverá uma boa leva de bons filmes para serem exibidos.
Tendo o local e tendo os filmes, faltará apenas o público. No que se refere ao público que já existe interessado em filmes mais artísticos, trata-se do tripé divulgação, preço e respeito. Se houver boa divulgação dessas salas e de suas programações (em São Paulo, em Londres e em Nova York existem sites da internet e publicações eletrônicas e impressas dedicadas só a essa divulgação), se os preços forem acessíveis pelo menos à classe média mais baixa e se as condições de acomodação (acessibilidade, segurança, estacionamento, limpeza, beleza, conforto) e de tratamento (cumprimento fiel da programação, quantidade de lugares compatível com a procura e a divulgação, civilidade e gentileza dos funcionários) forem boas, a probabilidade de as salas ficarem vazias é muito baixa. Esse público, satisfeito com a nova opção, criará aos poucos um efeito em cascata, trazendo um número cada vez maior de outros curiosos e aficcionados. Mas isso não basta: Para impedir um efeito elitizante dessas medidas, é preciso também investir na formação de um público artisticamente mais sensível e interessado. Para isso, o papel da escola, das empresas e da mídia não deve ser desprezado. Oferecer incentivos a escolas que deem cursos ou palestras sobre a história e a arte do cinema, a empresas que levem seus funcionários às salas com circuito alternativo e a canais de rádio e de TV que dediquem parte da sua programação a conteúdo mais explicitamente artístico é uma providência relativamente simples que tem bons resultados em vários países. Com tudo isso, torna-se menos difícil visualizar uma saída para o vazio de conteúdo e de sentido a que a colonização do mundo da vida levou o cinema.
Mas tudo isso implicaria a aprovação de normas e a tomada de uma série de atitudes por parte do Estado. E, dada a costumeira indiferença do Estado por assuntos culturais e sua conhecida parceria e volubilidade aos avanços lobísticos das grandes franquias cinematográficas, todas essas saídas e possibilidades não estariam destinadas a morrer asfixiadas pela inércia e pelos interesses do Estado? A resposta é: Sim, se o Estado for deixado por si mesmo. No modelo da democracia deliberativa de Habermas, não basta que na esfera pública difusa (o espaço comunicativo de nossas discussões cotidianas sobre nossa situação e sobre nossos interesses e perspectivas, o espaço em que está o meu blog e o do Yúdice, mas também todas as conversas e trocas de ideias que se dão desde a mídia até a sala do café das empresas e o balcão da lanchonete) se formem opiniões e vontades, pois para que essas possam chegar até a esfera pública institucionalizada (o espaço oficial dos órgãos estatais em que se tomam as decisões vinculantes para todos) é preciso o concurso dos movimentos sociais - as associações espontâneas da sociedade civil em que grupos com opiniões e interesses convergentes se reúnem para adquirir uma existência mais coesa, uma rede mais conexa e informada, uma capacidade de pressão mais eficiente e um poder de barganha mais considerável. Assim, uma ou várias associações de amantes do cinema, reunindo apreciadores, artistas e candidatos a distribuidores poderia ser o meio através do qual as demandas de cinéfilos do país inteiro fossem reunidas e pudessem se fazer ouvir tanto na grande mídia quanto, principalmente, nos espaços do Legislativo e do Executivo, que se veriam obrigados a tomar medidas para satisfazer essas demandas capazes de serem convertidas em votos, tanto contra quanto a favor dos que ocupam esses cargos. Tais associações poderiam contratar especialistas, que unissem criativamente as demandas dos insatisfeitos com as experiências bem sucedidas aqui e fora do país, construindo soluções que seriam vertidas na forma de projetos de lei e apresentadas à apreciação dos representantes políticos.
É possível que ainda assim fossem várias as derrotas para o lobby das grandes distribuidoras? Sim. Mas os que votassem contra os projetos assim apresentados teriam que mostrar sua cara e suportar a consequência de perder números significativos de votos com suas medidas. Um novo grupo de políticos, oportunistas como eles sempre são, perceberia esse "filão" desatendido de votos e faria da representação desses interesses a sua plataforma de eleição e de manutenção no poder. Tudo só depende de um primeiro passo, tomado pela própria sociedade civil, recusando-se ao papel de espectadora passiva da banalização de seus bens culturais e assumindo o papel que lhe cabe de reagir contra a onda destruidora da mercantilização. É isso que Habermas chama de mobilização da esfera pública em prol da emancipação do mundo da vida, o que, trocando em miúdos, significa em prol da defesa da possibilidade de termos, como comunidade, meios reais de experimentar sentido, liberdade e felicidade.
Comentários
Minha esposa pode dar um testemunho sobre o único cinema de Santarém, sua cidade natal, que fechou há alguns anos e hoje é, claro, uma igreja evangélica. O ex-proprietário era amigo da família e por isso ela conhecia seu amor pelo cinema. Passou anos amargando prejuízos financeiros, apenas para manter a sala funcionando e permitir a seus conterrânos a chance de comungar da sétima arte, até que foi tragado. Hoje, mantém uma locadora de DVD, como uma espécie de último grito de resistência.
Mas a par dos aspectos emocionais que o teu texto evoca, fiz algumas relações, veja só, com o meu velho Direito Penal. Estudei Habermas no mestrado, mas isso foi em outra vida e sem a necessária sistematização; faltava ligação, também, com a minha pesquisa. Por isso, ainda possuo os textos daquela época, mas em termos de conhecimento voltei à estaca zero. Contudo, sinto que preciso de Habermas para explicar melhor certos fenômenos de reificação do ser humano pelo poder vigente, dentro do sistema de justiça criminal.
Deixaste minha cabeça fervilhando e, nas próximas três semanas, só posso me ocupar da finalização do semestre letivo!
Aquele café filosófico precisa sair...
Grande abraço. Levarei esta postagem ao "Arbítrio". Todo mundo precisa ler.