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Mostrando postagens de agosto, 2013

Explicando “Direito e Democracia” (4A): O Sentido da Tensão entre Facticidade e Validade

O conceito de tensão entre facticidade e validade é central para o projeto e estrutura de “Direito e Democracia”. É central para o projeto porque as tarefas que o livro se atribui são duas: (1) usar a tensão interna entre facticidade e validade para desfazer dicotomias persistentes nas teorias normativas do direito e da democracia (legalidade e legitimidade, direitos humanos e soberania popular, moral e direito, direito e poder, consistência e correção etc.); e (2) usar a tensão externa entre facticidade e validade para desfazer a dicotomia entre uma teoria ideal da democracia com base na ideia de soberania popular e os modelos empíricos de circulação de poder e formação da legislação com base em dinâmicas de luta e de interesse. É central para a estrutura da obra porque, dos nove capítulos que formam o livro, os dois primeiros (I e II) se dedicam a introduzir o conceito de tensão entre facticidade e validade e sua metodologia de investigação correspondente, os quatro capítulos inte

Explicando “Direito e Democracia” (3): A Substituição da Razão Prática pela Razão Comunicativa

Nas duas conversas anteriores, expliquei sobre aspectos preparatórios à compreensão de “Direito e Democracia”, sem ainda, contudo, tratar do conteúdo do livro propriamente. Na primeira , mostrei que a obra deve ser entendida como uma teoria crítica da sociedade na qual o direito e a democracia têm um papel chave a desempenhar. Na segunda , recuperei o diagnóstico de modernidade que havia sido fornecido pela teoria da ação comunicativa e como ele precisa ser levado em conta como pano de fundo da obra de 1992. Nesta terceira conversa, entrarei, finalmente, no conteúdo do livro. Explicarei um ponto muito importante, situado, na tradução brasileira, entre as páginas 17 e 24 da obra. Habermas fala do conceito de razão prática, do papel que desempenhou na modernidade, de seu esgotamento a partir da complexificação social, das tentativas fracassadas de sua substituição e da tentação de despedida da razão, antes de introduzir seu conceito de razão comunicativa e explicar as diferenças que est

Explicando “Direito e Democracia” (2): O Diagnóstico de Época da “Teoria da Ação Comunicativa”

Na conversa anterior, disse que a primeira coisa que você precisava saber sobre Direito e Democracia é que a obra não propõe uma teoria no sentido tradicional, nem de tipo descritivo, nem de tipo normativo, mas propõe, ao contrário, uma teoria crítica, isto é, uma teoria que situa o direito e a democracia no contexto de um diagnóstico de nossa sociedade contemporânea como um todo e a partir do ponto de vista da emancipação social como ideal imanente desta sociedade. Pois bem, fixado este primeiro ponto, devo agora apontar a segunda coisa que você precisa saber sobre Direito e Democracia: que ela se apoia num diagnóstico de modernidade feito na Teoria da Ação Comunicativa , de 1981, segundo o qual as sociedades modernas se caracterizam por um dupla racionalização, sistêmica e comunicativa, e pela primazia indevida do primeiro sobre o segundo tipo de racionalização. Esta segunda conversa se dedica a explicar este diagnóstico como ponto de partida para a discussão em Direito e Democraci

Explicando “Direito e Democracia” (1): O que é uma Teoria Crítica?

A primeira coisa que você precisa saber sobre “Direito e Democracia” é que ele não é um livro de filosofia política e filosofia do direito como os outros. Devido ao fato de ele abordar temas como direitos humanos, democracia, interpretação jurídica, controle de constitucionalidade, legislação e esfera pública, você pode se sentir tentado a compará-lo com obras como “Uma Teoria da Justiça” e “O Liberalismo Político”, de John Rawls, “A Moralidade da Liberdade”, de Joseph Raz, “Sociologia do Direito”, de Niklas Luhmann, ou os recentes “A ideia de justiça”, de Amartya Sen, e “Justice for Hedgehogs”, de Ronald Dworkin. Mas ele se distingue destes outros livros porque ele não é uma tentativa nem de descrever o direito tal como ele funciona (abordagem descritiva) nem de propor um modelo ideal de como o direito deveria funcionar (abordagem normativa). Ele é um livro que ilustra um tipo bastante peculiar de teoria, chamado de “teoria crítica”. Isso exige uma explicação prévia, que nos ocupará

Alexy, Fórmula de Radbruch e Positivismo Jurídico

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Esta postagem tem como objetivo examinar a defesa de Alexy da chamada “fórmula de Radbruch”, segundo a qual a lei patentemente injusta não é lei, e mostrar que esta tese, mesmo que fosse uma descrição acurada da prática de aplicação de leis por parte dos juristas, não atingiria o objetivo que Alexy tinha em vista com ela, isto é, fazer uma crítica devastadora ao positivismo jurídico. Nos itens de 1 a 6, explicarei, muito brevemente, pontos importantes da tese de Alexy e, nos itens 7 e 8, falarei das respostas que foram dadas a ela por parte do positivismo jurídico exclusivo e inclusivo. Robert Alexy 1) Indicação da fase do pensamento de Alexy: Esta afirmação de Alexy não tem a ver com sua teoria dos princípios, e sim com sua adesão, em fase posterior, a um tipo de rejeição do positivismo identificada com a chamada “fórmula de Radbruch”, a fórmula segundo a qual a lei patentemente injusta não é lei. Sua principal obra deste período é "Conceito e Validade do Direito" (