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Mostrando postagens de outubro, 2012

Honneth: Esboço de uma Moral do Reconhecimento

Acabei agora de ler o texto "Entre Aristóteles e Kant. Esboço de uma moral do reconhecimento". Segundo a minha leitura inicial (que pode, é claro, vir a ser modificada a partir do debate em sala de aula sobre o texto), o argumento de Honneth (nos itens 3 a 5, onde ele é de fato propositivo) passa pelos seguintes passos: a) podemos esboçar uma moral conectada com a ideia de reconhecimento partindo das vulnerações morais; b) podemos classificar as vulnerações morais a partir do tipo de relação prática consigo mesmo a que elas causam dano; c) para isso, temos que apelar a teorias que nos informem quais são os níveis de relação prática consigo mesmo que o indivíduo desenvolve, no caso, as teorias filosóficas da pessoa e as teorias psicológicas do desenvolvimento infantil; d) a partir de tais teorias, chega-se a três níveis de relação prática consigo mesmo, a saber, o nível da autoconfiança, o nível do autorrespeito e o nível da autoestima; e) logo, podemos classificar a

Direitos Humanos e Soberania Popular (I): O Argumento de Habermas

Exporei uma versão bastante resumida do argumento de Habermas. Como se sabe, um dos principais objetivos do Cap. III de Direito e Democracia é mostrar que existe um nexo interno entre direitos humanos e soberania popular, as duas únicas fontes de legitimação da modernidade; tal nexo teria passado despercebido para liberais e republicanos e só se deixaria captar pelo ponto de vista da teoria do discurso. O motivo pelo qual liberais e republicanos só concebem direitos humanos e soberania popular submetendo um dos termos ao outro é que, se por um lado os liberais têm uma concepção dos direitos herdeira dos erros do jusnaturalismo e uma concepção não comunicativa da legislação, por outro lado os republicanos têm uma concepção jurídico-positivista dos direitos e uma concepção ético-voluntarista da legislação. Assim que tais concepções inadequadas dos direitos e da legislação forem revistas, o nexo interno entre direitos humanos e soberania popular resultará, segundo Habermas, mais evidente

Polêmicas Filosóficas: Determinismo versus Libertarismo (Mapeando os Argumentos)

(A postagem apenas situa as duas posições e lista os argumentos que cada uma das versões delas costumam apresentar. Não ofereço nenhuma solução para a controvérsia. Pessoalmente, devido à minha formação kantiana, inclino-me para uma posição que está entre o determinismo da versão b abaixo e o libertarismo da versão b abaixo, ou seja, para algum tipo de versão dualista. Deixo, no entanto, ao juízo de cada um formar sua posição sobre os argumentos mais aceitáveis.) Uma das mais antigas polêmicas em Filosofia, especificamente na Metafísica, diz respeito à concorrência entre determinismo e libertarismo. Embora, nesta discussão, nem mesmo a definição do que cada uma das posições implica é totalmente consensual, podemos dizer grosso modo que a tese determinista afirma que nenhum fenômeno no mundo, nem mesmo as decisões e ações humanas, escapa à determinação por causas anteriores, enquanto o libertarismo (libertarismo metafísico, frise-se, não confundir com o libertarismo político) afi

O Que É Mundo da Vida em Habermas?

Mundo da vida é um dos conceitos mais famosos de Habermas. Criado por Husserl como parte de seu argumento sobre o afastamento das ciências modernas em relação ao horizonte de experiência e de sentido dos indivíduos comuns (tal horizonte cotidiano de experiência e de sentido era o significado original do conceito), o termo “mundo da vida” ( Lebenswelt ) foi depois incorporado por Heidegger ao projeto de Ser e Tempo , usado ocasionalmente por Sartre e Gadamer e tornado uma categoria central da sociologia fenomenológica de Schultz. Em Habermas, o termo ganha novas conotações e marcada relevância tanto em sua pragmática universal quanto em seu diagnóstico da modernidade. Vamos agora esboçar de modo sumário o que o conceito significa na Teoria da Ação Comunicativa , de 1981. Para tanto, devemos distinguir entre dois sentidos de “mundo da vida” em Habermas: o sentido pragmático-linguístico e o sentido sociológico. 1) Mundo da vida em sentido pragmático-linguístico Num primeiro sent

O "Método" de Hércules: Fenomenológico ou Apofântico?

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(Esta postagem aprofunda um tópico específico da postagem de ontem. Eu disse ontem que o fato de que Dworkin formule um método de interpretação/decisão, o método do juiz Hércules, era um ponto antigadameriano de sua teoria. Após discussão com amigos, especialmente o Ricardo Evandro e o Felippe Davi, vi que a afirmação precisava ser mais desenvolvida. Pois existe um tipo de método, situado no nível puramente fenomenológico-hermenêutico, que é compatível com a hermenêutica filosófica, enquanto existe outro tipo, situado no nível apofântico, que não é. Resta-me, então, tentar provar que o método de Hércules se qualifica como esse segundo tipo de método.) De fato, não basta apontar que em Dworkin existe um "método" para que Dworkin seja qualificado, automaticamente, como antigadameriano neste ponto. É preciso investigar de que método falamos. Se o método de que falamos é um conjunto de regras que dirigem a interpretação em certa direção contingente a fim de que se alcancem pro

Dworkin e Gadamer: Por que Dworkin não é um filósofo hermenêutico

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(Veja também a postagem a partir da qual esta discussão foi gerada: consulte aqui .) Devemos explicitar os pressupostos com que examinamos um autor e criticá-lo a partir dos pressupostos da tradição a que ele quis se filiar. Tendo em vista esta orientação, alguém poderia ficar com a dúvida, a partir da minha postagem anterior, sobre se as críticas que fiz a Dworkin seriam mesmo pertinentes. Isto porque alguém poderia ver Dworkin como se movendo na tradição hermenêutica, e não na tradição analítica. Para a tradição hermenêutica, de fato, a distinção "forte" entre normativo e descritivo como pertencendo a âmbitos distintos da razão e do discurso não faz sentido (embora eu esteja tendente a dizer que uma distinção "fraca" entre as duas tarefas segue existindo, do contrário não se conseguiria mais distinguir entre interpretação legítima e atribuição arbitrária de um sentido totalmente estranho ao objeto). Ela desaparece porque se lida com uma racionalidade que não é e

Exposição e Crítica a Ronald Dworkin: A Hipótese Estética

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A chamada Hipótese Estética é uma tese central da teoria da interpretação de Ronald Dworkin. Tentarei abaixo dar uma breve explicação do que ela significa e levantar algumas problematizações a seu respeito. Ronald Dworkin (1931-) Hipótese Estética: Breve Explicação A hipótese estética é uma hipótese sobre o que significa interpretar algo: É a hipótese segundo a qual interpretar é "mostrar um objeto sob sua melhor luz", ou, sendo menos metafórico, é relacionar o objeto interpretado com a prática na qual ele está inserido e privilegiar aquela possibilidade de sentido que dá a ele o maior valor possível no contexto daquela prática. Deste modo, se a prática em questão for a arte, interpretar uma obra de arte é uma atividade em dois níveis: no primeiro nível, trata-se de responder que tipo de atividade é a arte, que tipo de fim ela visa e com que critério se mede o valor de uma obra de arte; no segundo nível, trata-se de tomar a concepção de arte e de obra de arte a que