Sobre Terrorismo no Atual Direito Internacional: Uma Postagem por Édissa Outeiro

Édissa Outeiro
Poucas coisas deixam um professor tão feliz e orgulhoso quanto testemunhar o crescimento de seus alunos até um ponto em que podem contribuir para debates mais amplos e proporcionar aprendizado útil até mesmo a seus antigos mestres. Por isso, quero usar essa postagem para abrir espaço para uma de minhas ex alunas queridas, citada nominalmente na postagem anterior, e que se dedica ao estudo das questões internacionais com vista à consecução de uma carreira diplomática. O texto abaixo (identificado com letra em itálico) pertence à bacharel em Direito e advogada Édissa Outeiro, graduada em Direito pelo CESUPA e pós-graduada em Direito Internacional pela PUC-SP, alguém com quem tenho a sorte e o prazer de ter mantido contato mesmo após o fim da relação em sala de aula.


Muito da dificuldade em lidar com questões relacionadas a atentados terroristas reside na inexistência de uma definição oficial na comunidade internacional do que abrange o termo “terrorismo”. A exemplo, os crimes de guerra, crimes contra a humanidade e o genocídio foram delineados no Estatuto de Roma e seu julgamento é competência da Corte Penal Internacional, tal Estatuto tem 139 signatários, dos quais 111 já o ratificaram, o que lhe dá total pujança no quadro internacional.

Dito isso, o que se sabe é que atos de terrorismo estão comumente associados ao emprego de violência em ataques a instalações de um governo ou de civis, em que o intuito é causar efeito psicológico (medo, terror) em toda a sociedade do Estado atingido. Como essa tem sido uma ferramenta mais recentemente (em comparação a crimes internacionais identificados em séculos passados, já que a palavra terrorismo só entrou em uso há algumas décadas) utilizada em conflitos, não se chegou a um consenso sobre sua definição.

Deve ficar claro que o que se pretende não é uma conceituação precisa, já que seria impossível definir todas as formas com que a violência pode vir a ser usada para levar um medo generalizado à população, mas sim chegar a uma tipificação penal que permita o correto julgamento e a possível condenação e sanção, tal qual foram esboçados outros tipos penais na ordem internacional. A importância dessa uniformização no cenário mundial é tamanha haja vista que em um crime envolvendo mais de um país enfrentará sempre a inequalidade de ordenamentos jurídicos internos.

Isso não significa que os Estados são impotentes, do ponto de vista do Direito Internacional, ao sofrer um ataque terrorista. Pelo contrário, a Carta da ONU (art. 51) permite a legítima defesa contra ataque armado a membro das Nações Unidas, mas há uma série de requisitos para que se configure o direito a tal defesa, entre os quais estão os preceitos de proporcionalidade, necessidade e imediatismo, inerentes ao instituto “legítima defesa”.

Nesse sentido, o assassínio de Osama Bin Laden era no mínimo desnecessário, falaciosamente proporcional e precariamente imediato. Aliás, desde o governo Bush, os EUA usaram de uma “inovadora” interpretação do artigo 51 da Carta das Nações Unidas, àquele tempo para usar de uma legítima defesa “preventiva” – ante a suposta ameaça iraquiana de armas de destruição em massa –, que é incabível visto a redação do citado dispositivo demandar que a resposta seja dada à ocorrência (e não “ameaça”) de um ataque armado, portanto, deveria servir à remediação.

O que se tem hoje, já representando um relevante avanço para o Direito Internacional, são convenções regionais e acordos bilaterais que tratam de atos terroristas pontuais e extradição, como a Convenção Interamericana contra o Terrorismo, e a Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo, 1997, de lavra das Nações Unidas, mas que só é obrigatória aos membros signatários da convenção em si, e não a todos os membros da Organização.

A mais, a própria extradição de terroristas gera por si só conflitos, no que se refere à aplicação de pena de morte, preconizada por diversos Estados soberanos e repudiada por outros tantos, inclusive organismos internacionais influentes, como a Anistia Internacional, o Vaticano e a própria ONU. No caso de Osama bin Laden, não houve sequer julgamento, o que constitui total desrespeito não só aos Direitos Humanos, mas à noção básica do Direito enquanto ciência.

Na ordem internacional, os EUA ainda mantêm posição hegemônica, por serem uma grande economia e, consequentemente, exercerem ingerência política mundial. Ademais, a ONU tem pouco poder contra os EUA, porque este é o país que mais financia suas atividades e ainda é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, cúpula responsável por grandes decisões, especialmente as relativas ao proveito de força armada, e inclusive por fazer o crivo do direito à legítima defesa citado acima.

Por isso, se faz necessário instituir regras mínimas internacionais de maior coerção, que criem obrigações não só aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, mas também a essas superpotências. Diante desse panorama se faz mister a discussão do Direito Internacional por sobre a soberania dos Estados.

Finalmente, a atitude norte-americana pode instigar a formação de novos grupos terroristas e fortalecimento dos já existentes (como a Al-Qaeda), não apenas porque seu fundamentalismo tem comumente servido de justificativa para retaliação, mas porque a conduta de seu opositor é incoerente com as premissas que defende.

E, se para desmantelar o fundamentalismo que usa de violência (que, ressalte-se, não é abraçado pelo islã como um todo), o governo estadunidense tira a vida do famigerado líder e outros membros da maior estrutura internacional terrorista, além de prender suspeitos mulçumanos e matar civis inocentes para atingir tais objetivos, não teria os EUA incorrido na descrição “emprego de violência em ataques a instalações de um governo ou de civis, em que o intuito é causar efeito psicológico (medo, terror) em toda a sociedade do Estado atingido”?

Contato com Édissa Outeiro: edissa.mo@gmail.com

Comentários

Yúdice Andrade disse…
Não é para morrermos de orgulho,
André? Estou me assanhando e escrevendo no plural porque a Édissa falou em "tipos penais internacionais", repercussões da pena de morte, etc., temáticas que eu posso ter a prepotência de relacionar ao meu mundinho acadêmico.
Afora isso, não causa a menor surpresa que uma outrora aluna tão dedicada - e vinda de uma família que valoriza a educação e o Direito - mostrasse essa evolução intelectual, que é só o começo do muito que ela ainda fará.
Anônimo disse…
É para morrermos de orgulho, sim, Yúdice. Torço muito pela continuidade da formação da Édissa e pela consecução de sua carreira diplomática, porque acho que o Brasil ganharia muito contando com ela no quadro daqueles que conduzirão as relações internacionais ao novo patamar para o qual sua nova posição no mundo exigirá que ele esteja pronto. Isso ainda se complementa com a lembrança afetuosa da turma à qual ela pertencia, que está no rol restrito das minhas turmas preferidas entre todas na minha curta, mas já intensa e variada experiência docente.
Parabéns aos dois, pela aluna fantástica e ao André, especificamente, por dar-lhe espaço para falar de um assunto que ela entende tanto!

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