Gadamer e a tradição

O Iluminismo havia dado à noção de "tradição" um sentido pejorativo. Com seu afã de tudo submeter à razão, o Iluminismo identificava a "tradição" com um conjunto de crenças mais ou menos irracionais (no sentido de não submetidas à crítica) que eram transmitidas de modo não reflexivo de geração a geração, perpetuando um estado de ignorância com aparência de conhecimento. É claro que na verdade o alvo dessa crítica iluminista era a escolástica medieval e sua pretensão de recorrer ao pensamento de Aristóteles ou aos ensinamentos dos padres fundadores da Igreja como matéria de autoridade irrecusável. Porém, a tese foi formulada de modo geral e irrestrito: toda autoridade era irracional, toda autoridade deveria ser derrubada, era preciso construir o conhecimento, por assim dizer, a partir do zero. O marco desse pensamento são as meditações cartesianas e as críticas de Bacon aos "idola". Contudo, no Séc. XX, Gadamer foi um dos responsáveis por reabilitar a noção de "tradição". Viu-a como acervo dos pressupostos inevitáveis, das respostas já alcançadas, dos pontos de partida orientadores de qualquer conhecimento e qualquer prática. Nesse sentido, a pretensão de recusar a tradição e começar do zero é simplesmente ridícula. A tradição não pode ser submetida à razão, diz Gadamer, porque a idéia de "razão" não é um universal a-histórico, mas sim uma construção cultural de cada época, profundamente informada pela tradição que a domina. É a tradição que cria a razão, de modo que não pode ser julgada por ela.

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